A psyche nos Pré-Socráticos

7. Liberta assim das suas imediatas associações pneumáticas, a psyche encontra o seu lugar, como sugere Aristóteles, dentro dos quadros mais vastos do movimento e da percepção. Típicas no que a isto se refere são as opiniões dos atomistas e de Empédocles. Aqueles tinham reduzido a realidade aos atoma e ao vácuo (kenon) e estavam, evidentemente, interessados na alma como a fonte do movimento quando a descreviam como um agregado (synkrisis; ver genesis) de átomos que são esféricos e semelhantes ao fogo fundamentando-se em que estes átomos são os mais móveis e mais competentes para causarem movimento nos outros (Aristóteles, De anima I, 405a). Há aqui, evidentemente, dificuldades que surgem em grande parte da relação entre a alma e o corpo e da relação entre a alma e a mente ou espírito (nous). Onde está este agregado que, em virtude do movimento dos seus próprios atoma, é capaz de mover o corpo (ver ibid. I, 406b)? A resposta é preservada por Lucrécio que nos diz (III, 370-395) que Demócrito sustentou qus os atoma do corpo e da alma estavam justapostos (appositio, parathesis; ver Diels 68A64), disposição essa que Lucrécio achou indefensável (ver noesis 6).

8. Um tipo de percepção mais elevado e mais digno de confiança fora distinguido da mera sensação desde o tempo de Heráclito e Parmênides (ver aisthesis, episteme, doxa, noesis) e, a despeito da convicção de Aristóteles de que eles pensaram que as duas eram o mesmo, os atomistas fizeram uma tentativa séria, mesmo dentro dos limites do seu sistema materialista, para distinguir a psyche e o nous tanto em termos de função (ver noesis) como de localização (ver kardia).

9. Embora os atomistas estivessem profundamente interessados na sensação (para as suas teorias ver aisthesis), a aproximação da sensação à alma é ainda mais notória em Empédocles. Aristóteles vê, por trás da redução da alma a um ou outro dos elementos (stoicheia) dos corpos físicos, a ideia de que «o semelhante conhece o semelhante» com a consequência de que, se a alma conhece, deve ser composta da mesma matéria que a coisa conhecida (De anima I, 409b). Cita Empédocles como o principal testemunho deste ponto de vista (frg. 109), mas é bem evidente que Empédocles, que pode ter dito que esta semelhança (homoiotes) era a razão pela qual a sensação ocorre, não queria sugerir que cada um dos seus quatro elementos era a alma. Pelo contrário, parece mais provável que seja o sangue que é uma mistura perfeita dos elementos (frgs. 105, 98; isto liga também a teoria às reflexões sobre o calor natural; ver kardia). Há uma terceira possibilidade e Aristóteles considera-a (e rejeita-a) também. Talvez que, como no caso do sangue, a alma empedocliana não seja a mistura mas a proporção (logos) em si (ibid. I, 408a; ver holon).

10. Aristóteles cita esta última possibilidade como exemplo de uma escola mais geral de pensamento que tentou definir a psyche como uma harmonia (ibid. I, 407b e confrontar Pol. 1340b). Platão também conhece a teoria da harmonia; foi exposta por Símias no Fédon (85e-86d) e subsequentemente refutada por Sócrates (91c-95e). As origens da teoria têm sido muito debatidas. A palavra harmonia é pitagórica e há afinidades pitagóricas no Fédon (Equécrates sustenta a teoria (88d) e foi um pitagórico (D. L. VIII, 46); Símias tinha estudado com o pitagórico Filolau (61); ver testemunho tardio a favor dele em Diels 44B22, 23). Mas nem Platão nem Aristóteles a identificam em parte nenhuma como pitagórica e a teoria, pelo menos como aparece no Fédon, relaciona-se com a harmonia dos contrários (enantia) físicos.

11. Mas a teoria de um contrabalanço ou equilíbrio das forças (dynameis) opostas de um corpo não é a mesma coisa que a proporção numérica estabelecida pelos pitagóricos. E, embora possa ter afinidades pitagóricas, parece derivar de círculos médicos que a usaram para explicar a saúde como um equilíbrio (isonomia) de qualidades opostas no corpo humano e em que está associada com Alcméon de Crotona (Aécio, V, 30, 17; aparece também no discurso do médico Erixímaco in Symp. 188a). Mas não há prova de que Alcméon a aplicasse à alma (ver De anima I,405a).

12. O que era então a doutrina pitagórica da alma? Havia, de fato, mais do que uma e esta estranha ambivalência aparece igualmente em Empédocles. Os pitagóricos reduziram todas as coisas à arche do número (arithmos) e assim sucede não ser surpresa descobrir que eles consideravam a alma e o nous como «propriedades (pathe) dos números» (Aristóteles, Metafísica 985b).

Esta pode ser uma versão de uma teoria matemática da harmonia, mas o mesmo não pode ser verdade no que se refere ao ponto de vista, exposto no De anima I, 407b como um mythos pitagórico, que sugere que a alma é completamente distinta do corpo e que é possível que «qualquer alma casual entre em qualquer corpo casual». Voltando a Empédocles, enquanto a teoria de que a alma é sangue faz sentido absoluto dentro da estrutura das suas explicações mecanicistas dos elementos e das suas misturas, o que se há de dizer do ponto de vista, exposto nas suas Purificações, de que a alma é um daimon que cometeu um «pecado original» (ver kathodos) e sofre uma série de reencarnações (frg. 115)?

13. O que apareceu aqui, no centro da tradição pitagórica na filosofia, é outro ponto de vista da psyche que parece pouco ou nada dever ao panvitalismo ou pandeísmo (ver theion) que é o legado dos Milésios. Todas as implicações desta nova crença de que a natureza divina da alma é radicalmente diferente de todas as outras coisas podem ver-se no famoso passo de Píndaro (frg. 131), uma das suas primeiras aparições: a alma que é de origem divina sobrevive à morte do corpo; a sua operação pode ser mais bem observada nos sonhos onde é ativa enquanto o corpo dorme. As origens desta nova crença na especial divindade e imortalidade da alma e a sua diferença básica e antagonismo com o corpo são algo obscuros; uma sugestão é a de que os Gregos a receberam do contato com o xamanismo cita. Mas sejam quais forem as suas origens a crença aparece, com todas as suas divisões, em Pitágoras, Empédocles e na literatura órfica e as suas formas mais notórias são a doutrina da bilocalização e reencarnação (palingenesia) e a teoria com ela associada da reminiscência (anamnesis), o antagonismo entre o corpo e a alma que se torna tão familiar desde a metáfora platônica do corpo/prisão (soma/sema; ver Crátilo 400c, Fédon 62b) e uma série de mitos escatológicos que aparecem também em Platão (ver athanathos). [Termos Filosóficos Gregos, F. E. Peters]

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