Ferreira dos Santos: O conceito aristotélico de «medida»

AS MEDIDAS

Medir é uma ação que consiste em dar um valor numérico a um objeto pelo número de vezes que contenha a unidade empregada. A medida quantitativa realiza-se por um metron, como se procede na medida da extensão por uma extensão, que serve de termo da comparação. Compara-se esta extensão com uma extensão menor, e vê-se quantas vezes a primeira contém a segunda. A medida, portanto, implica o homogêneo ao medido. Medem-se homogeneidades. Quando se trata da extensidade, temos as medidas quantitativas.

Mas quando se trata de qualidades, a medida já não é uma unidade menor. As qualidades são medidas pelas suas perfeições, portanto por um maximum e não por um minimum, como a medida quantitativa. Meço este quarteirão, reduzindo sua extensão (homogeneamente considerada), com um metro (uma extensão menor, homogeneamente considerada). Mede-se o maior pelo menor.

Mas, no qualitativo, mede-se o menor pelo maior Se quero medir este verde, não digo que ele tem dois ou três unidades de verde, mas digo que é mais ou menos verde, comparando-o com o verde perfeito, que é ideal, do qual tenho uma posse virtual, e não atual, como acontece com todas as perfeições, das quais participamos.

Sintetizando:

a) a medida extensiva, (como minimum), abstratamente considerada e despojada da sua heterogeneidade, é a medida da quantidade, porque essa é divisibilidade, enquanto considerada apenas como quantidade (homogênea);

b) a qualidade, perfeita em sua série (como maximum, portanto), é a medida da intensidade, apenas como tal, e abstratamente considerada;

c) o valor, (como perfeição de sua hierarquia), como maximum, portanto, é a medida dos valores (escalaridade dos valores, mais ou menos);

d) a unidade individual, como medida da tensão, que é mensurável e não medível, é tomada qualitativamente e não quantitativamente.

Em suma:

A medida é o que nos faz conhecer se uma coisa é maior ou menor, e se é mais ou menos que outra, o que tanto na ordem quantitativa, como na qualitativa, já é um princípio de conhecimento, embora parcial.

Estas palavras, que a seguir reproduzimos, dão clareza ao pensamento exposto até aqui.

“O espírito mede as quantidades por adição, portanto, a unidade quantitativa é um minimum. O espírito mede a qualidade por “composição”, unindo a um elemento de ordem atual um elemento de ordem potencial, afirmando uma deficiência, e, portanto, a unidade qualitativa é um perfeito, um maximum” (Isaye, pág. 38).

Para Tomás de Aquino, em todo gênero, o ser mais perfeito é exemplar e medida dos outros seres do gênero.

Deus é o exemplar de todos os que participam da sua bondade (como bem e bom).

Para ele o efeito tem sua perfeição própria; seu limite é o que é, nem mais nem menos. E diversos epítetos apresentam toda essa ausência de excessos, como de defeitos, essa moderação, esse “justo meio”, e daí resulta uma ordem, uma disposição harmoniosa.

A causa de tal harmonia chamar-se-á medida de seus efeitos. Deus tudo dispôs com medida e, por isso, é medida de tudo.

Tais pensamentos nos podem levar a algumas digressões que servem não só para ilustrar a matéria que ora tratamos, como para oferecer certos dados que serão oportunamente esclarecedores. Meditemos sobre tudo quanto foi dito até aqui, e poderemos construir os seguintes pensamentos:

Em cada instante, há um ser que é o melhor de sua série. Entre todas as macieiras do mundo, há de haver, agora, neste instante, uma que seja a mais perfeita, a que melhor corresponde, não apenas ao esquema abstrato macieira nem apenas ao esquema concreto imanente na macieira, mas à forma, na ordem universal do ser. A macieira mais macieira de todas.

Todo gênero tem um termo que é a perfeição do gênero. E esse termo se dá, de fato sempre, e em potência, porque o perfeito de hoje poderá ser superado amanhã, pois a perfeição absoluta da macieira só caberia à forma essencial, porque esta é só macieira.

Estas digressões mais comezinhas à dialética platônica que à aristotélica, levar-nos-iam à afirmação de que um ser que atingisse a perfeição da forma essencial, do eidos platônico, por exemplo, ou do arithmós plethos (o número de conjunto) pitagórico, seria materialmente inalcançável. No segundo caso, seria compreensível, porque o número da harmonia pitagórica, os arithmói harmonikoi são sempre indefinidos, portanto nunca alcançáveis, materialmente, na sua perfeição extensista e definitivamente acabada, como a relação entre o diâmetro e a circunferência, ou a hipotenusa e o quadrado, dão sempre um número indefinido. A forma essencial na ordem mitológica é perfeita e jamais alcançada pela materialidade, que dela pode potencialmente aproximar-se sempre, como o número de ouro pitagórico, que jamais alcança um termo finito.

Assim, o esquema concreto de um ser aqui e agora, esta macieira, por exemplo, imita a ideia exemplar (na linguagem de Tomás de Aquino), o eidos platônico, a forma escotista, ou o arithmós plethos pitagórico, mas, como imitante jamais o repetiria perfeitamente, pois do contrário com ele se identificaria, deixando de ser o ente material, aqui e agora, para tornar-se o ente ideal, não topicamente localizável, infinito e perfeito da essência ontológica, que está na ordem do Ser Supremo. Consequentemente, a perfeição, como termo final, é a ideia exemplar ontológica (e um teólogo poderia dizer teológica, porque está em Deus) jamais identificada senão formalmente com as coisas, e nunca existencialmente.

Ora, tais digressões exigem outros estudos de metafísica, que não caberiam nesta introdução tratar, mas que apontam, pelo menos, possibilidades pensamentais, e supinamente controversas, que exigem grande subtileza de espírito e ideias muito claras para penetrar num terreno, aparentemente fantasioso para o ignorante de tais assuntos.

E para tornar mais simples o que dizemos, bastaria atentássemos para estes pontos: se esta macieira é macieira é por que nela há o que, pelo qual, ela é isto e não outra coisa. É através de, ou por algo que ela é uma macieira e não uma pereira. E naquela macieira, ali, que é semelhante a esta, também há nela um pelo qual ela é macieira e não outra coisa, que nela também se repete, como naquela primeira. Há, portanto, em ambas, e em todas as macieiras do mundo, algo pelo qual elas são macieiras e não outra coisa, e esse algo é o que os filósofos chamam forma.

Nas macieiras, há uma forma da macieira. Mas essa forma que está nesta, está naquela também. Portanto, essa forma não é algo material, porque o que é material ocupa um lugar e não poderia estar, simultaneamente, em tantos lugares e tão distantes. Essa forma é uma proporcionalidade intrínseca, uma “ratio”, uma estrutura que a ordena como tal, e que se repete, em seu número (que não deve ser apenas considerado quantitativamente, o que é maneira bem grosseira de ver os números, mas também qualitativamente, como os viam os pitagóricos). No ser, o que o constitui onticamente repete o número, imita-o, como um triângulo qualquer imita a proporcionalidade intrínseca do triângulo (três ângulos, cuja soma é igual a dois ângulos retos). Posteriormente, o homem constrói desse esquema imanente nos seres um esquema em sua mente, um esquema abstrato-noético, que intencionalmente o repete, com os conteúdos da mente humana, mas que imitam o que há fundamentalmente na coisa. Temos, assim, um esquema concreto, na coisa (in re) e um esquema abstrato noético, o conceito, em nós, após a experiência, após o ato de abstração realizado pelo nosso espírito, que separa da coisa esse quê, quid, essa quididade, que é formal, e realiza o esquema formal-noético (post rem) da coisa.

Mas o que sucedeu naquele ente era um arithmós, dirá o pitagórico, que era possível atualizar-se nele, pois, do contrário, teria vindo do nada. E como não veio do nada, veio do ser. Portanto, já era no ser numa modalidade diferente da que existe aqui e agora, era no ser como algo essencial e não existencializado ainda, estava, portanto, na ordem do ser (ante rem). E, nessa ordem é um único, um só, perfeito, imutável, como é perfeito e imutável o triângulo (o autotrigonon, o triângulo-em-si, de Platão) que as coisas repetem. E essa perfeição do triângulo-em-si, que nós matemática e formalmente podemos esboçar, não é materialmente perfeito, nunca.

O triângulo é sempre perfeito como ideal, mas as formas triangulares que se repetem na matéria são sempre escalarmente imperfeitas, e não seria possível realizar um triângulo materialmente perfeito, cuja soma de seus ângulos fosse absolutamente igual a dois ângulos absolutamente retos. No entanto, poderíamos construir triângulos (é uma possibilidade ao menos) cada vez mais perfeitos, mais próximos dessa perfeição, sem jamais atingi-la.

Com essa sintética explanação, cremos tornar claro o pensamento tanto de Platão como o de Pitágoras, bem como o que pensava Tomás de Aquino, pois aceitava tais formas como ideias exemplares, únicas e perfeitas, que pertenceriam à mente divina, ao Ser Supremo, fonte de todos os seres finitos.

Não queremos com isso forçar conciliações de pensamento, mas apenas mostrar que o nosso modo de ver os esquemas, encontra também uma positividade no pensamento de grandes figuras da filosofia.


As medidas são consideradas na física eideticamente perfeitas, embora faticamente imperfeitas.

O ohm, como medida de resistência, é uma medida eideticamente perfeita. O ohm, que verificamos aqui ou ali, pode aproximar-se mais ou menos ou afastar-se mais ou menos do ohm perfeito, que construímos como um esquema abstrato, mas que sabemos não encontrar-se nas coisas, mas que, no entanto, nos serve de medida qualitativa, sempre.

O mesmo podemos dizer de qualquer outra medida, tanto na matemática, como na física.

Por outro lado é preciso considerar que a medida quantitativa, no entanto, leva a ilusões, pois poder-se-ia dizer que há mais ser em 20 indivíduos do que num só. Neste caso, o ser seria tomado como extensista apenas.

A medida qualitativa é um maximum ou um ser perfeito no seu gênero, como já vimos, e consequentemente é tomada qualitativamente.

A medida, repetimos, é princípio de conhecimento, como a causa é princípio do ser.

Todo agente atua enquanto está em ato. E o ser que atua em todas as coisas está em ato, e em ato está o ser supremo, sustentáculo de todas as coisas. Mas é mister compreender que o que é produzido pelo agente está de algum modo no agente. Consequentemente os esquemas concretos estão de algum modo no Ser, não só quando se dão nas coisas, mas antes, pois não poderiam ter provindo do nada, nem o Ser, como agente, poderia tê-los produzido no ato existencial dos indivíduos, se não estivessem na sua ordem.

Desse modo são colocadas, dentro dos postulados que oferecemos, as diversas opiniões na filosofia que pareciam tão distantes, mas que eram dialeticamente compreensíveis numa visão cooperacional, como a pode captar a dialética, como a entendemos.

Portanto, toda medida é uma unidade tomada no seu gênero; os tamanhos por tamanhos, os números por números (números quantitativos-abstratos).

“Deus não está contido no gênero substância à maneira de uma espécie ou de um indivíduo, mas pertence ao gênero por redução, como princípio do gênero, à maneira do ponto nas grandezas contínuas e da unidade abstrata no gênero dos números”. (Tomás de Aquino, De Pot. q. 7. a. 3, ad 7).


Para resumir o que foi tratado, acrescentamos: É dimensional tudo quanto é medível quantitativa ou qualitativamente. O medível é uma possibilidade da coisa, cuja atualização implica um extrínseco a ela que o realiza. A ação de medir implica a comparação de um termo com um maximum que serve de medida (intensidades) ou um minimum (extensidades).

Mas a medida implica sempre a homogeneização entre o medido e o medível. Impõe-se, pois, haver entre a medida e o medível uma univocidade quididativa, pois deve haver entre o medido e a medida um ponto de identificação, do contrário seria impossível comparar. Se a perfeição divina permite a medida nossa com ela, é porque dela participamos, e é nesse sentido que se diz que o homem é feito à imagem de Deus, que significa a nossa participação de uma perfeição, que dela participamos sem ser ela, que é a divindade enquanto tal.

A dimensão é uma modal, porque a dimensão é inerente à coisa medida. Dela não se afasta, e absolutamente não se separa. O que é medível da coisa é da coisa, que dela pode distinguir-se, mas apenas modalmente. A dimensão é uma modal estática da coisa, sempre em ato, que é uma característica da modal, mas em potência ante o ato de ser medida, isto é, comparada.

Teologicamente, poder-se-ia dizer que Deus não tem dimensões, pois não é ele medível, nem por um maximum nem por um minimum. É a medida qualitativa de todas as coisas, pois como perfeição é o maximum da perfeição.

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