Excerto traduzido de AUBRY, Gwenaëlle. Plotin. Traité 53. Paris: CERF, 2004, p. 55-56
O sujeito que surge ao final do Tratado 53 e no limiar das Enéadas parece ser, sobretudo, o tema da ética: não admite determinação ontológica (uma vez que não é uma substância, mas uma situação, intermediária entre duas substâncias, uma das quais define sua essência), mas apenas uma caracterização funcional; isso, desenvolvido gradualmente durante o curso do tratado, acabou por designá-lo não como consciência, mas como um princípio de orientação da consciência em relação a uma ou outra das substâncias que constituem sua identidade potencial. O sujeito plotiniano aparece menos como isto que se conhece que como isto se escolhe a si mesmo: a análise reflexiva, o exame das faculdades, não se resolve na posição de uma consciência unificadora, mas, pelo contrário, de um princípio de separação; ao final desta análise, o sujeito não se descobre como isto que tem consciência que sente, opina, reflete e pensa, mas como o que deve escolher orientar sua consciência para tal ou tal destas atividades, à exclusão de outras.
Assim se verifica que a pergunta plotiniana “quem somos nós?” Não se reduz à questão platônica “o que é o homem?”: somos isto que é responsável de nossa humanidade; isto que pode realizá-la ou perdê-la, segundo escolhamos ser consciente de (e, portanto, nos identificarmos a) o animal ou a alma separada. A humanidade, portanto, admite uma dupla caracterização, uma essencial e mediada, a outra imediata e funcional: pode-se dizer, sem dúvida, que “o homem, é a alma”, na condição de compreender que esta essência, por um lado, é excedente (se a alma é o divino em nós) e, por outro lado, não se dá a princípio senão como uma identidade possível cuja atualização está suspensa a um ato de liberdade. Nós somos isto que tem consciência desta essência excedente tanto quanto de sua degradação, e somos humanos na medida em que escolhemos nos identificar com este excesso.
O preceito délfico vale, portanto, em última análise, como uma injunção, não tanto a se conhecer si mesmo como a se tornar si mesmo: não se trata somente de se saber alma, mas de se escolher como tal. Mais precisamente, o momento epistêmico só vale como um prelúdio ao momento prático: o trabalho reflexivo de análise das faculdades não revela nossa unidade, mas nossa multiplicidade; não nos descobre nossa essência, mas nossa distância para esta. No entanto, a descoberta desta distância desencadeia o movimento que visa reduzi-la: descobrindo que pensamos pensar (e que somos essencialmente isto que em nós pensa), também descobrimos que a identificação ao animal, se é espontânea, não é necessária. Por aí, podemos começar a nos desapegar do animal em nós. Eis porque o trabalho de análise levado pelo Tratado 53 é indissociável do trabalho da virtude.
Assim, na medida em que o si não é imediato, onde não se confunde com o nós mas não é para ele senão um possível, o “conhece-te ti mesmo” vale como uma injunção a reduzir a distância entre o nós e o si. Ele se deixa decompor em dois momentos: o primeiro, negativo – “saiba que não és isto que crês ser” -, e o segundo, positivo – “ensaie devir o que és”.