O Bem (Agathon)

Platão expande e aprofunda a questão de Sócrates a respeito da essência de VIRTUDES individuais, tornando-a não só uma questão acerca da essência do virtuoso como tal, mas também, transpondo os limites da ética, uma questão sobre a essência do bem. A inicial definição daquilo a que chamamos bom como o que é proveitoso levanta, em primeiro lugar, o problema de saber o que significa que algo é útil para alguma coisa. No caso do homem, contudo, a questão é diferente, pois ele não existe em contextos funcionais fixos, e sua ação é, antes, definida por aquilo que ele, com ou sem razão, vê como bom — bom também para ele próprio. Se um modo de ação é em si admirável (“belo”), mas desvantajoso para o próprio agente — como parecia ser precisamente a ação socrática pela sentença de morte —, então a força de motivação do belo é totalmente insuficiente. Mas as ações não têm apenas consequências úteis ou danosas exteriores; elas também desenvolvem um efeito de impressão interna: a ALMA como princípio da ação humana se torna, ela própria, melhor ou pior. Esse ser-bom não funcional, ao qual se aplica o “cuidado pela alma” platonicamente interpretado (Apol. 29e), é uma perfeição autônoma, cuja falta é perceptível ao menos pelo fato de o homem tentar encobrir essa realidade pela RETÓRICA por exemplo (Górg. 523b-c). O bem como um “querer por causa de” contém ao mesmo tempo uma dualidade, que resulta da dualidade do querer: o homem quer alguma coisa por causa de alguma coisa. No entanto, essa estrutura de finalidade não é infinitamente reiterá-vel, pois a consequência disso seria que o QUERER não teria, por fim, um motivo. Esse motivo não é, porém, necessariamente aquele que se atinge no final, mas antes aquele que inicia o próprio querer e lhe dá orientação (Lísis 219a-220a). (SCHÄFER)


Plotino argumenta em Enéada III, 8, 9, 1-13 que posto que o Noûs tem uma necessidade de ver e de agir, relaciona-se a um princípio mais alto, em respeito ao qual e devido ao qual vê e age; este princípio é o Bem (que é o mesmo que o Uno, como afirmado em Enéada III, 8, 11).

O Uno, ou Bem, foi demonstrado pela necessidade do Noûs por um princípio e um bem. O Noûs é outro que o Bem; o causado é outro que a causa. O Uno é assim uma hipóstase distinta, uma «natureza» distinta.

É chamado o Bem — o Bem no sentido que todas as coisas, primordialmente o Noûs, o desejam, agem em sua direção, agem por causa dele (Eneada III, 8, 11; Eneada-VI, 8, 7) — são o que são por causa dele (Eneada-VI, 7, 23) e conhecem por um desejo de conhecê-lo (Eneada-V, 6, 5). É o bem de todas as coisas. Mas isto significa que é o bem para si mesmo? Obviamente não, posto que «bem para si mesmo» envolve a dualidade: O Bem não tem bem, posto que não há nada além dele.


O primeiro nascido do Uno é portanto a Inteligência. Ela tem necessidade do Uno, mas o Uno não tem necessidade dela. O Uno engendra a sua imagem: com mais razão ainda quando se trata de seu produto mais perfeito. Eis porque em se voltando para o Uno, a Inteligência recebe a « forma do Bem » (agathoeides ginetai) e o contato do Uno a conduz a sua perfeição, pois ela recebe do Uno uma forma (eidos) que lhe dá esta « forma do Bem ». Ou em termos equivalentes há na Inteligência um traço (ichnos) do Bem: para chegar ao Bem, o Modelo (archetypos), é preciso partir pelo pensamento deste « traço » do Bem estendido na Inteligência (Eneada-III, 11, 1). Assim como aquele que contempla o espetáculo do céu estrelado sobre igualmente àquele que o fez (ton poiesanta), provavelmente a Inteligência, do mesmo modo aquele que contempla o mundo inteligível, aquele das ideias contido na Inteligência, alcança a seus «criador» (poieten), « aquele que engendrou um tal filho, a Inteligência ». Plotino emprega habitualmente para exprimir o conceito de Criador tanto demiourgos como poietes, mas estes termos não são aplicados somente ao Uno, são também à Inteligência e à Alma do Mundo.


Tudo isso é dito a respeito do outro nome pelo qual o Uno é designado, o Bem. Dizer que ele é o Bem não é dizer que tem nele algo de bom. Ele nada pode ter de não bom, mas em demasia de bom. Nada de outro, bom ou não bom, ele é o Bem, pois nada se lhe pode adicionar. Se se faz, ele não é mais o Bem, se o diminui, e não é louvá-lo fazer louvores que são inferiores a isto que ele é: se lhe fará Bem por participação, o que quer dizer que se faria vir o Bem de outra coisa. Autor de tudo ele é melhor e mais perfeito que o que fez (Eneada-V, 5, 11).


II. 9. 1
(Armstrong selection and translation)

(The names One and Good refer to the same transcendent First Principle, which we cannot really label and define, but must speak of as best we can. It is primary, transcendent, and indescribable because of its absolute simplicity. On it depend Nous and Soul, and there is no room for any other Principles besides these.)

Now it has been made clear to us that the nature of the Good is simple and primary (for everything which is not primary is not simple either), and contains nothing in itself, but is a unity: the same nature belongs to what we call the One. It is not something else, and then as a result of that One, nor is the Good something else and then as a result Good. When we speak of the One and when we speak of the Good we must think and speak of It as one and the same Nature, not applying any predicates to It, but explaining It to ourselves as best we can. We call It the First because It is the simplest, and the Self-Sufficing because It is not a compound (which would make It dependent on its constituent parts); we speak of It as That which is in nothing else, because everything which is in something else is derived from something else. If then It is neither derived from nor in something else, nor any sort of compound, there cannot be anything above It. We need not then go looking for other Principles. We set This first, then Nous, the primal Intelligence, then Soul after Nous. This is the order according to the nature of things. We must not assume more or fewer than these in the intelligible realm.


VI. 8. 13

(Inadequacy of human language in speaking about the One.)

But if we must introduce these names for what we are seeking, though it is not accurate to do so, let us say again that, speaking accurately, we must not admit even a logical duality in the One but we are using this present language in order to persuade our opponents, though it involves some deviation from accurate thought. . . . We must be forgiven for the terms we use, if in speaking about Him in order to explain what we mean, we have to use language which we, in strict accuracy, do not admit to be applicable. As if must be understood with every term.