A terra flutua sobre a água (Aristóteles, Metaf., A, 3, 983 b 21; De Caelo, B, 13, 294 a 28) e a água é o princípio de todas as coisas (Arist., Metaf., A, 983 b 6 sq.).
Convém insistir nesta afirmação capital. Frequentemente, os jônios foram denominados de hilozoístas (do grego hyle). Tal designação é aceitável na condição de não se fazer dela sinônimo do materialista moderno. Com efeito, seria anacronismo pensar que os Gregos desta época pudessem afirmar que tudo tinha origem na matéria. A. Rivaud mostrou (Le problème da devenir et la notion de la matière dans la philosophie grècque, 1906) que «o problema da matéria não existe na filosofia antiga» (pág. 2). Tales não fora certamente o primeiro a sublinhar o papel essencial da água como princípio; antes dele, Babilônios, Egípcios e o próprio Homero haviam concedido grande importância à água nas suas mitologias. Por outro lado, o papel essencial da chuva no crescimento dos vegetais, da água na alimentação humana, o espetáculo dos rios transportando aluviões, o estudo da circulação da seiva, do sêmen dos animais, não deixariam de impressionar os Gregos. Ao afirmar que a água é o princípio de todas as coisas, Tales teve talvez o mérito que Burnet lhe atribui (pág. 48): não de se interrogar sobre o que era antes do que é, mas de procurar de que é feito o mundo. E teve, sobretudo, a visão da unidade do cosmos em que Nietzsche insiste, vendo nela «uma generalização gigantesca»1. «Tales viu a unidade do Ser e, quando pretendeu dizê-la, falou da água.»2
Mas se a água é o princípio de todas as coisas, importa não esquecer que «tudo está cheio de deuses» (Aristóteles, De Anima, 411 a 7) e que o mundo é animado: o âmbar e o ímã mostram-nos que no interior das mais pequenas coisas há um espírito que as anima.
Diga-se, a terminar, que se lhe atribui a paternidade da fórmula célebre «conhece-te a ti mesmo» e que Diógenes Laércio lhe atribui as seguintes sentenças: «De todos os seres, o mais antigo é Deus, que não foi engendrado; o maior é o espaço, que tudo contém; o mais rápido é o espírito, que erra por toda a parte; o mais forte é a necessidade, que triunfa de tudo; o mais sábio é o tempo, que tudo descobre.» (Jean Brun, “Pré-Socráticos”)
Naissance de la philosophie, p. 43. ↩
Loc. cit., p. 48. ↩