A presença do desejo, que se experimenta na força da sua correnteza, leva-nos a sentir a presença daquilo que desejamos ter na sua ausência. É com saudade do prazer ausente que nos lançamos na sua direção. De cada vez, no entanto, que se obtém prazer, essa concretização não é um ganho permanente na nossa existência. O prazer sente-se de fugida. Numa fuga permanente. E nestes pontos-limite: a sua entrada, o seu preenchimento e a sua perda imediata, que encontramos a caracterização da situação do desejo, a sua lógica. Nós vivemos entre o «fluir» e o «escoar». Quanto maior for o seu fluxo, assim também é o seu escoamento. É no preencher da falta que o prazer se faz sentir. É no passar por esse momento e na repetição constante desse momento de prazer que, para Cálicles, consiste a vida feliz. Quanto mais vezes se fizer sentir a falta, tanto mais vezes sentimos o prazer e o regozijo do seu preenchimento, tanto mais, portanto, é a felicidade sentida.
[CAEIRO, António de Castro. A arete como possibilidade extrema do humano. Fenomenologia da práxis em Platão e Aristóteles. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2002]