hyle (Caeiro)

CAEIRO, António de Castro. A arete como possibilidade extrema do humano. Fenomenologia da práxis em Platão e Aristóteles. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2002, p. 286-287

«A ‘matéria’ é chamada ‘natureza’ por ser capaz de a acolher, e assim também, [por ser capaz de acolher] os processos de passar a ser, de crescer, uma vez que são movimentações (κινήσεις1, kinesis) que provêm dela. O princípio que dá origem a essas movimentações (do passar a ser e do crescer) é a natureza que inere nos entes naturais de algum modo, tanto como possibilidade como no termo do processo efectivamente concluído» [Aristóteles, Metafísica, 1015a16-19]. A natureza (φύσις, physis) é também aquilo de que algo é feito porque é nessa estrutura que inere o princípio de onde provêm os processos que trazem algo à existência ou fazem algo ser, e que permitem também assegurar a sua permanência. «A natureza é aquilo de que qualquer dos entes por natureza são primarimente feitos ou vêm à existência, e que é sem forma e inalterável a partir da sua própria potencialidade»2, como o cobre, a madeira e os outros materiais de que as coisas são feitas [Ibid., 1014b29-32]. Cada um dos materiais de que cada coisa é feita é sustentado pela «matéria-prima que permanece conservada» [Ibid., 1014b32] em todas as coisas, enquanto sendo o fundamento último onde enraízam os mais diversos materiais. «Por isso, alguns chamam aos elementos (τὰ στοιχεία, v. stoicheion) das coisas que são por natureza ‘a natureza’, uns o fogo, outros a terra, outros o ar, outros a água, e outros ainda dizem que é qualquer coisa deste género; outros, por fim, todas as coisas deste género»3.


  1. Para a tradução de κίνησις por «processo de alteração», cf. Μ. T. Liske, «Kinesis und Energeia bei Aristóteles», Phron., XXXVI/2,1991, pp. 161-178: «Da diese Möglichkeit bei ‘(sich) verändern’ ganz entsprechend gegeben ist, möchte ich ‘κίνησις’ als Veränderungsprozeß (e. n.) übersetzen» (p. 161). 

  2. Ibid., 1014b27-29. Cf. «para a compreensão do sentido de ῥυϑμός-ἀρρυϑμιστός, Robert Renehan, «The Derivation of ῥυϑμός», CP, 1963,58, pp. 36-37: «the original meaning of ῥυϑμός requires a root which contains some such notion as ‘holding’ or ‘limiting’», portanto, «its original meaning will then be ‘the manner in which a thing is held together’, ‘form’, ‘disposition’» (p. 37). 

  3. Ibid., 1014b33-34. Estes são os elementos de cada coisa pode ser constituída, o que subjaz a cada ente particular e individual e que assim lhe permite estar aí à disposição numa permanência continuada. «Tudo isto é uma substância; um certo substrato. A natureza é sempre num substrato e são por natureza todas as determinidades essenciais de um substrato» (Ibid., 192b32-34).