Cármides

Sobre a temperança (sophrosyne). Sócrates foi um bom educador e não um corruptor da juventude. Toma distância do ensinamento socrático impugnando o gnothi seauton e a redução da virtude à ciência. Tenta definir cientificamente a temperança, mas chega a uma conclusão negativa.


Resumo de Luc Brisson

O objeto da discussão de Cármides é sophrosyne, uma das quatro grandes virtudes platônicas, junto com o saber (sophia), a justiça e a coragem. Na ética tradicional grega, sophrosyne se refere à disposição intelectual que permite ao homem julgar corretamente de modo a fazer prova de mestre de si. Neste diálogo, Platão não evoca o que aproxima sophrosyne de enkrateia, a saber, o ser-mestre-de-si a respeito dos prazeres corporais; o termo sophrosyne é, portanto, traduzido não por “moderação” ou “temperança”, mas por “sabedoria”, termo que inclui duas dimensões, ética e epistemológica.

Como em outros diálogos de refutação, espera-se que os interlocutores de Sócrates incorporem, positiva ou negativamente, a virtude que está sendo discutida. Sendo a sophrosyne a virtude por excelência dos rapazes e moças, os vinte anos do belo adolescente Cármides fazem dele um interlocutor perfeito. Mas como explicar a presença de Crítias, primo de Cármides, com mais de trinta anos? O contexto político nos fornece algumas respostas: Cármides e Crítias faziam parte do grupo dos Trinta tiranos cujo reinado efêmero foi sangrento. No entanto, é precisamente a ausência de sophrosyne que o Cármides busca demonstrar, o que de outra forma manifesta uma intenção apologética: Sócrates não pode ser responsabilizado pelo trágico destino destes dois personagens que faziam parte de sua entourage.


Resumo de Jean Brun

No Cármides, ou da Sabedoria, Sócrates pergunta a Cármides, um belo aristocrata que se gaba de possuir a sabedoria (sophrosyne), o que é que entende por «sabedoria». Ele responde primeiro que é uma ausência de precipitação (esykiotes tis) feita de moderação e de calma; mas Sócrates mostra imediatamente que a rapidez e a presteza valem mais, na maioria dos casos, do que a lentidão. Cármides define então a sabedoria como uma espécie de pudor (aidos), e Sócrates responde a isso, citando Homero, que o pudor não convém a quem está na miséria. Assim, nem a lentidão nem o pudor são bons em si, são por vezes sinal de sabedoria, por vezes também de não sabedoria. Cármides dá então uma terceira definição (161 b) e diz que a sabedoria é, para cada um, fazer aquilo que lhe diz respeito. Eis aqui um enigma, diz Sócrates; será necessário que cada um corte as roupas, fabrique os sapatos, sem nunca pôr o pé nos assuntos do vizinho? Crítias intervém então lembrando que se deve distinguir entre «fabricar», que tem um sentido técnico e utilitário, e «agir», e que a sabedoria deve ser definida como a atividade que se exerce no bem (163 e). Mas então, faz notar Sócrates, fizemos uma grande caminhada para chegar a uma banalidade; por outro lado, quando se diz que os artesãos podem serbios, mesmo envolvendo-se nos assuntos dos outros como afirmou Crítias, quer-se dizer que podem serbios mas sem o saber; não sabem de fato se aquilo que fazem para o outro lhe irá ser útil ou não. O que seria uma sabedoria que não se conhecesse a si própria? Crítias decide então partir de novo do zero e diz que a sabedoria consiste em conhecermo-nos a nós próprios (164 d) como recomenda a inscrição do templo de Delfos. Sócrates vai criticar esta concepção da sabedoria; historiadores da filosofia admiraram-se com esse facto e pensaram que Platão fazia no Cármides o processo do socratismo (Cf. E. Homeffer, PLATON GEGEN SOKRATES (Leipzig, 1904); na verdade, como muito bem mostra J. Moreau, a quem vamos buscar toda esta interpretação do Cármides (Cf. J. Moreau, LA CONSTRUCTION DE L’IDÉALISME PLATONICIEN, pp. 119 e segs), é uma espécie de ciência humana capaz de reconhecer as competências de cada indivíduo de modo a lhe atribuir um lugar na Cidade que lhe permita concorrer à felicidade desta que Crítias espera do «conhece-te a ti próprio». Aquilo que Sócrates recusa no «conhece-te a ti próprio» é uma pretensão ao individualismo e ao comando. Para Sócrates, o «conhece-te a ti próprio» é um convite à reflexão, não acerca do indivíduo, mas acerca da pessoa, é uma meditação acerca do conhecimento da alma e do bem. Uma ciência ou uma técnica só nos podem dar um poder utilizável (kresimon) em certos casos, mas não absolutamente útil (ophelimon) . O Cármides não conclui, mas preparou o terreno para reflexões futuras.