Ética a Nicômaco (VI, 3) – modos de desencobrimento – episteme

Excerto de ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. António Caeiro. Lisboa: Quetzal, 2015, p. 148-149

(1139b14) Comecemos, então, pelo princípio e analisemos as operações da (15) alma envolvidas na descoberta da verdade (aletheuein), afirmando (kataphanai) ou negando (apophanai). São cinco em número: a perícia (techne) , o conhecimento científico (episteme), a sensatez (phronesis), a sabedoria (sophia)Σοφία significa originalmente não apenas o domínio de uma determinada perícia, mas a sua execução de uma forma exímia. O sábio, do mesmo modo, é o perito exímio numa determinada perícia. O termo aponta para a noção de abertura, σαφήνεια, clareza; σαφής, σαφίς, σαφώς, o que é claro, manifesto, evidente, claramente, manifestamente, evidentemente. e o poder da compreensão (intuitiva) (noûs). De outra parte, tanto a mera suposição (hypolepsei) quanto a opinião (doxa) podem envolver-nos em falsidade (diapseudesthai, v. pseudos). Ora aquilo que é o conhecimento científico torna-se claro quando é necessária uma expressão rigorosa dos (20) fenómenos e não basta um mero acompanhamento das semelhanças (homoiotesin). Na verdade, todos nós supomos que o que conhecemos cientificamente não pode ser de outra maneira (eudechesthai allos echein). O que pode ser de outra maneira, caso esteja fora do horizonte de consideração, passa-nos despercebido, e nós nem sequer sabemos se existe ou não.

Aquilo que é objecto de conhecimento científico tem, por isso, uma constituição intrinsecamente necessária. De facto, é eterno. Isto é, os entes que têm uma constituição absolutamente necessária são eternos, quer dizer, não são gerados e nem são destrutíveis. (25) Além do mais, assim como todo conhecimento científico parece ser susceptível de ser ensinado, também o que é objecto de conhecimento científico é susceptível de ser aprendido. Todo o ensino se faz a partir daqueles conhecimentos que se adquiriram previamente, tal como dissemos também nos Analíticos (An. Post., I, 1, 71a1). Uma das formas de ensino de que se dispõe constitui-se por indução (epagoge), a outra, por raciocínio silogístico (syllogismo). Enquanto a indução é o primeiro princípio (arche) do conhecimento, inclusivamente do conhecimento universal, o raciocínio silogístico procede, por sua vez, a partir de conhecimentos (30) universais já adquiridos. Há, de resto, também princípios a partir dos quais se procede através de raciocínio silogístico, sem que, contudo, eles próprios se tenham formado por silogismo. Tal é o caso, por exemplo, do que é adquirido por indução. O conhecimento científico é uma disposição com capacidade demonstrativa — à qual acresce como definição tudo aquilo que dissemos nos Analíticos (An. Post., I, 1, 71b21-22). Quando alguém adquire de algum modo uma determinada convicção (pistis) e os princípios se lhe tornaram conhecidos, esse alguém adquiriu um conhecimento científico. Se, porém, não tiver os princípios tão bem conhecidos quanto a conclusão, poderá ter um conhecimento científico, mas apenas acidentalmente (symbebekos). Foi deste modo definido o que é o conhecimento científico (episteme). (35)

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