Enéada VI, 8 – Sobre o voluntário e sobre a vontade do Uno

Plotin Traités 38-41. Dir. Trad. Luc Brisson e Jean-François Pradeau. GF-Flammarion, 2007

Diferentes versões em TRATADO 39

O termo grego metapherein significa originalmente « transpôr, efetuar uma transferência ». Plotino o utiliza em dois momentos neste tratado (VI, 8, 1 e em VI, 8, 8): trata-se nos dois casos de saber se é possível transpor aos primeiros princípios determinações que, no uso corrente da linguagem, se aplicam às realidades inferiores. Estas determinações se destacam mais precisamente do campo da ação e da liberdade humanas: expressões como « o que depende de nós », a « livre disposição de si », a « liberdade », a « vontade », o « desejo » ou a « causa » podem legitimamente ser deslocados do domínio prático da ação humana para a esfera metafísica dos primeiros deuses, a saber em particular o Intelecto e o Bem? Tal é a questão fundamental a partir da qual se desenvolve todo o tratado. Pode-se no entanto levar mais adiante a interrogação sobre a metafísica se se tenta precisar a significação desta transferência de linguagem. Quando Plotino fala de liberdade, de desejo ou de vontade do Bem, é preciso conceder a estes termos um sentido análogo àquele que tomam no terreno da psicologia ou da ética? Ou melhor, precisamente, é preciso falar de um uso metafórico destes conceitos quando designam o primeiro princípio? Se tal fosse o caso, ainda seria necessário precisar o sentido desta metáfora e medir o distanciamento entre os sentidos psicológico e ético destes conceitos por um lado, e seu sentido metafísico por outro. Várias questões se colocam aqui: porque Plotino opta pelo vocabulário da liberdade no momento de desenvolver um discurso sobre o primeiro princípio mais resolutamente afirmativo que em nenhuma parte nos tratados? Quais transformações sofrem os diferentes conceitos relativos à liberdade e à vontade quando se encontram projetados no Intelecto e no Bem, que distanciamentos ou que rupturas devem-se notar? Mas também, inversamente, se se trata aqui de metáfora, e não de pura e simples homonímia, o que se acha preservado na transferência da liberdade humana à liberdade divina? Qual é a significação fundamental que se encontra retida, conservada nesta passagem de uma liberdade à outra, de uma vontade à outra? Vê-se de pronto, quaisquer que sejam as respostas que se poderiam aportar a estas questões, este tratado nos mergulha no coração da problemática da linguagem e da dupla interrogação sobre seu poder e sobre seus limites. Na medida mesmo que Plotino põe toda sua energia filosófica a falar do primeiro princípio, e a dar razão com a maior riqueza e a maior precisão possíveis, lhe é necessário, ao mesmo tempo, fazer prova de uma vigilância extrema no que concerne o uso do discurso e não cessar de pôr em obra uma reflexão crítica relativa às carências e às insuficiências próprias a toda linguagem metafórica. Só tendo em mente estas duas dimensões, a audácia especulativa relativamente à apreensão do Bem e a vigilância vis a vis da insuficiência do discurso, que se pode ter uma leitura justa e equilibrada do conjunto do tratado. (Excertos da introdução de Laurent Lavaud a sua tradução em Brisson & Pradeau, PLOTIN TRAITÉS 38-41)