A questão do ensino da virtude

Excertos das notas da tradução francesa do Menon, de Monique Canto-Sperber

A questão do ensino da virtude foi objeto de numerosos debates na Antiguidade, debates provocados sem dúvida pela pretensão que tinham os sofistas do século V de ensinar a virtude (Protágoras, Eutidemo) e pelas dúvidas que tal promessa suscitava nos contemporâneos dos sofistas (tal como Sócrates: Xenofonte, Banquete II,6) como nos gregos do século IV (Aristóteles, Ética a Nicômaco X, 1; Isócrates, Sobre a Troca, 274). NO entanto, Sócrates parece por vezes sustentar que a virtude pode se ensinar (Protágoras 361b), ou pelo menos uma tal tese lhe é atribuída (Clitofon 408b). Diógenes Laércio nos relata que Antístenes, filósofo cínico que fazia parte do círculo socrático, considerava que a virtude podia fazer objeto de um ensinamento (Vidas, Doutrinas e Sentenças dos Filósofos Ilustres VI, 10), enquanto que Criton de Atenas, amigo de Sócrates, teria escrito um diálogo intitulado Que a ciência não dá a virtude (II,121), e que Simão de Atenas, familiar de Sócrates, teria composto um diálogo: Que a virtude não pode ser ensinada (II,122). Estes testemunhos mostram em todo caso que a questão de ensino da virtude remete a um debate acadêmico e escolar (sobre o qual todo filósofo devia fazer suas provas) e a um problema prático: pode-se transmitir a outro, da mesma maneira que se transmite não importa que conteúdo de conhecimento, qualidades interiores ao ser humano e que parecem defini-lo? Quanto à importância filosófica desta questão e sobre o sentido da conclusão aparente do Menon, segundo a qual a virtude não se ensina.

O adjetivo utilizado aqui, didaktos, como frequentemente os adjetivos em tos, pode ter o sentido de coisa «ensinada» ou de coisa «que pode se ensinar». A escolha do primeiro sentido (coisa «ensinada») parece justificada desde que se sublinhe que, para contestar que a virtude se ensina, Sócrates (um pouco mais longe no Menon: 96b-c) mostra que não se pode encontrar em parte alguma mestres de virtude, isto que, segundo ele, bastaria provar que a virtude não se ensina (no sentido de «não é realmente ensinada». Preferimos todavia o segundo sentido mais geral (coisa «que pode se ensinar») porque, se é certo que a realidade concreta do ensinamento da virtude é posto em causa no diálogo entre Menon e Sócrates, a questão maior que aqui se encontra debatida é aquela da relação a estabelecer entre as propriedades da virtude e da realidade concreta de seu ensinamento. Todavia, mesmo se se exclui que a única possibilidade empírica acidental esteja em causa no adjetivo didaktos, a questão permanece de saber se este termo designa uma possibilidade conceitual (a possibilidade de se ensinar pertenceria ao conceito da virtude) ou uma possibilidade de um outro tipo (como uma propriedade essencial embora empírica, mas que pertenceria portanto ao conceito).