O neoplatonismo de Agostinho (Gandillac)

Excertos de «Gênese da Modernidade», de Maurice de Gandillac

Em tradução latina, Agostinho conheceu vários textos importantes de Plotino, especialmente os das Enéadas III, 7, onde o próprio tempo descreve a fraqueza de uma Alma – terceira hipóstase – que deixa de contemplar o inteligível e, tomada de vertigem, dispersa-se em momentos sucessivos, através de uma multiplicidade de produções nas quais o filósofo discerne, inseparavelmente, a imanência do Belo-e-Bom (em um cosmos que não pode vir de um demiurgo mau como pensam os gnósticos e maniqueus, dos quais, durante um período, Agostinho foi adepto) e a presença inevitável de um “mal”, nascido da divisão e da dispersão. Para escapar a essa “queda”, as almas individuais – que só vivem, elas mesmas, em sua singularidade, na medida em que a Alma do mundo está “inclinada para baixo” – não dispõem de outro recurso a não ser o da purificação e iluminação platônicas, e chegam, no melhor dos casos, em breves êxtases, ao contato indizível com o Um (Enéadas III, 8; VI, 7 etc).

Do plotinismo, que o marcou permanentemente, Agostinho irá entretanto recusar as teses incompatíveis com sua fé: em primeiro lugar, a metensomatose e a suposta elaboração, pelas próprias almas, em vidas sucessivas, de corpos que correspondam a seu próprio nível espiritual (Enéadas III, 2). Agostinho recusou igualmente a ilusão de que, para que elas mesmas se atribuíssem esse “demônio” que, às vezes, falava a Sócrates e que se confunde com a mais alta potência do intelecto humano, bastaria que essas almas o desejassem intensamente (En. IV, 4). Recusou também a esperança de que seu “pai Zeus”, apiedando-se de sua “lassitude”, as libertasse de seus corpos, permitindo-lhes, assim, ascender simplesmente, segundo a exigência inata de uma natureza que não teria cometido nenhum pecado hereditário, até a “região intelectual” onde reside, pelo menos no que diz respeito à sua parte superior, incessantemente contemplativa, essa “Alma do mundo” que um Abelardo, em seu enfoque harmônico, tentará, vez por outra, identificar ao Espírito Santo. Agostinho recusou, enfim, a tese análoga de uma “simpatia” universal, proveniente do Pórtico, da qual participariam todas as almas, tanto em suas descidas como em suas ascensões, em seus conflitos e em suas concordâncias, segundo as vicissitudes que dependem do ritmo dos astros e de um modo que parece implicar uma espécie de eterno retorno (Enéadas IV, 3).

Já em 389, em seu tratado “Da verdadeira religião”, Agostinho, ao confrontar suas próprias experiências vividas, referentes à consciência e ao tempo, com os esquemas platônicos, descrevia a criatura humana como submersa naquilo que ele denomina a “penosa riqueza” do sensível (XXI, 42), reduzida a forjar ídolos para si, testemunhos de sua busca do intemporal no interior de um universo que é feito apenas de sombras (XXV, 84). Nessa época, em seu primeiro comentário do Gênesis, ele compreendia os três primeiros dias do mundo (antes da criação do Sol) como significando a lenta germinação do celeste e do terrestre. Pouco tempo depois, em seu “Livro inacabado sobre o Gênesis entendido no sentido literal” (esboço de uma imensa obra que só será terminada em 415), ele renunciará a essa interpretação para admitir, apoiando-se no Eclesiastes (XVIII, 1), que tudo foi criado “simultaneamente”, sendo o temporal, desde a origem, signo e figura do eterno. Mas é sobretudo nas Confissões, face à sua própria história – a de um combate entre o desejo libidinoso e o arrependimento – , que o filho de Mônica pensa descobrir, perscrutando sua alma imortal, imagem de Deus, a verdadeira significação do tempo.

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