holon

hólon: todo, organismo, universo

1. Um momento crítico na discussão da mudança surge quando Aristóteles rejeita, de um só golpe, as teorias anteriores de que a genesis absoluta se podia dar por associação (synkrisis) ou dissociação (diakrisis) das partículas e afirma que ela se verifica quando um todo (holon) se transforma num outro (De gen. et corr. I, 317a).

2. A questão da totalidade fora levantada anteriormente. No Parmênides a totalidade é negada ao Uno porque implica a presença de partes e, consequentemente, que o Uno é em certo sentido uma pluralidade (137c-d); a unidade (hen) do Uno tem de ser algo totalmente distinto da «totalidade» (ver Soph. 244d-245e).

3. O problema em Parmênides é lógico e conceptual estando relacionado com a noção de divisibilidade; com Empédocles surge a conclusão física. É desejo de Empédocles conservar a unidade de Parmênides e ao mesmo tempo postular uma pluralidade de elementos (stoicheia) que acrescenta esta nova dimensão. A genesis é cíclica para Empédocles: os quatro «princípios» são eternos mas estão em constante processo de transformação (frg. 17, versos 1-13), passando, durante o processo, dentro e fora de uma esfera na qual estão perfeitamente misturados (frgs. 27, 28). É esta esfera, obviamente um compromisso resultante do Ser Uno de Parmênides, que primeiro sugere que os elementos podem estar submersos numa espécie de todo unificado onde se perdem as suas caraterísticas individuais, pelo menos para a vista. Como isto se realiza não o diz ele, apenas salienta que a esfera está coberta de uma harmonia. 0 termo, matemático, teve grande voga nos círculos pitagóricos, e a suspeita de uma influência deste tipo em Empédocles é reforçada quando, posteriormente no ciclo cósmico, os quatro elementos começam a combinar-se em corpos compósitos (frgs. 96, 98). Aqui ficamos a saber que a carne, o sangue e os ossos são formados por proporções numéricas e fixas dos elementos que estão todos ligados pelos «divinos elos da harmonia».

4. Esta é a primeira tentativa de explicar os compostos orgânicos em termos de proporção (logos) numérica dos seus elementos. A mesma abordagem matemática é visível em Anaxágoras que sustentou que os corpos, embora fossem compostos de «sementes» que contêm em si uma porção de tudo, têm a sua identidade proveniente da predominância quantitativa de um ou outro dos tipos de semente que está dentro deles (frgs. 6, 12; ver Aristóteles, Physica I, 187a).

5. Nem Platão nem Aristóteles estavam muito empenhados neste método embora ele pudesse aparentemente ser aplicado às cores (ver Timeu 68b, com uma leve nota céptica; De sensu 440b). Platão preferiu a abordagem mais geométrica de compor corpos compostos a partir de partículas diferentemente formadas (ver genesis, stoicheion; recorre porém à proporção numérica para a composição da essência no Timeu 73c), enquanto Aristóteles sentiu que nenhuma destas técnicas de mistura pré-socráticas explicava realmente a presença de um novo «todo» visto que os elementos originais . de modo algum perdiam as suas entidades individuais mas apenas se tornavam imperceptíveis para os sentidos; o verdadeiro holon devia ser homogêneo (homoiomeres) do princípio ao fim (De gen. et corr. I, 327b-328a; sobre o logos da mistura ver Metafísica 993a, De gen. anim. I, 642a).

6. A influência dos physikoi é muito menos evidente na abordagem mais filosófica que Platão faz deste problema, no Teeteto 203e ss., onde Sócrates propõe, como alternativa do dilema, que o todo (holon) é algo mais do que o total (pan) das suas partes. Porém, a sugestão não é aqui seguida nem tão pouco na sua explicação da genesis. Mas noutros passos Platão está consciente de que num todo oposto a uma soma um fator crucial é a localização (thesis) das partes e de que no verdadeiro holon as partes têm uma relação espacial fixa, umas com as outras e com o todo. Aplica isto à organização das partes numa tragédia (Fedro 268d) e, nas Leis, às partes do kosmos. Este último é um exemplo particularmente interessante visto que acentua a função teleológica das partes com respeito ao todo (X, 903c, 904b). A posição (thesis) tinha, evidentemente, sido importante para os pré-socráticos (ver aisthesis, genesis) e não é improvável que a sua aparição em Platão tivesse origens pitagóricas (ver Parm. 145a-c, Aristóteles, De coelo 268a, e confrontar Poet. 1450b).

7. A abordagem que Aristóteles faz da totalidade é dupla. Um todo é, antes de mais, algo que tem várias partes (mere, moria; Metafísica 1023a) que estão potencialmente (dynamei) presentes no todo (Physica VII, 250a; De gen. et corr. II, 334b). Esta noção não se limita necessariamente aos corpos físicos: Aristóteles discute as mere da tragédia (Poet. 1450a, 1459b), as mere da alma(De an. III, 442a-b; ver psyche) e o eidos como parte do genos (Metafísica 1023b). Mas, se for verdade, como foi dito (De gen. et corr. I, 317a), que a genesis é de um todo proveniente de um todo, o que é que diferencia este holon de um mero agregado de partículas e o torna algo sobre e acima de uma totalidade (Metafísica 1045a)? A totalidade (pan) é algo que tem apenas uma localização de partes (ibid. 1024a); um todo tem a causa interna (aition) de uma unidade que é o seu eidos ou ousia (qq. v.; ibid. 1041b).

8. Mas o eidos é também a energeia e a entelecheia de um ser e assim pela justaposição destas noções o conceito aristotélico de holon alarga-se para incluir tanto a função (ergon) como a finalidade (telos). O eidos dos seres vivos e a causa unitiva de todas as suas funções é a psyche. Deste modo as partes (mere) são transformadas pela noção da função, em órgãos (organa). Um órgão é a parte de uma criatura viva que está dirigida para um fim ou objetivo que é uma atividade (praxis; De parte. anim. 645b); a natureza (physis), o princípio interno de crescimento nestes seres fez os órgãos representarem certas funções (ibid. 694b), e um corpo assim constituído é um organismo (ver ibid. 642a e confrontar a definição de alma em De anima II, 412a como a entelecheia de um corpo orgânico). O organon é, pois, a parte física de um ser vivo ligado a cada uma das potências (dynameis) deste último para lhes permitir a sua função (De gen. an. I, 716a; IV, 765b).

9. Uma ideia de certo modo semelhante aparece na noção epicurista de systema. Demócrito reduzira todos os pathe das coisas àqueles que diretamente se associavam com corpos extensos qua extensos, e relegou todos os restantes (v. g. cor, som) para uma impressão subjetiva dos sentidos (frg. 9; ver aisthesis, pathos). Mas para os discípulos dos seus últimos dias havia certos pathe que, embora não estivessem presentes no atomon individual, estavam presentes num agregado deles. Neste sentido o todo (systema, athroisma, ou, como Lucrécio lhe chama, concilium) é mais do que a soma das suas partes (ver D. L. X, 69). Qual é a diferença? Primeiro, há o problema da posição (thesis) dos atoma relacionados uns com os outros, formando assim um padrão que é o fator superadicionado que permite que os atoma sejam incolores mas que o seu agregado seja colorido (Lucrécio II, 757-771; ver Plutarco, Adv. Col. 1110c). Mas a juntar a esta formação de um padrão espacial no agregado, os átomos também têm o seu próprio movimento individual, e sucede que, quando estão formados em concilia os seus movimentos harmonizam-se e outros pathe agregados passam a existir (ibid. II, 109-111). Deste modo é no concilium dos átomos-alma, contidos no revestimento do corpo, que ocorre o movimento que é a sensação (D. L. X, 64; ver aisthesis). Para os vários tipos de concilia epicuristas, ver genesis.

10. A ênfase estoica posta no mundo como uma entidade sob a direção unificadora e providencial do logos levou a um emprego justamente consistente do «universo» (holon) como sinônimo de kosmos e é particularmente evidente na descrição que Marco Aurélio faz dos homens como órgãos (opostos a meras partes) do universo (holon; Med. VII, 13). Os neoplatônicos em contrapartida voltaram-se para os textos do Parmênides e Teeteto, tendo-se voltado Proclo props. 66-69 dos Elem. theol. para uma consideração da totalidade, tanto como um eidos não participado (holotes pro meron) como participado por vários todos-com-partes (holotes ek meron) que têm a totalidade como um dos seus pathe.

Sobre o problema da unidade da alma, ver psyche. (Termos Filosóficos Gregos, F. E. Peters)