Dualismo (relação corpo-alma)

I. A pergunta inicial dos primeiros diálogos de Platão é sobre como o homem pode chegar ao saber correto a respeito das determinações essenciais das coisas, mais precisamente das virtudes, que guiam a ação. Para isso Platão, no diálogo Mênon (97a-98e), distingue a OPINIÃO correta (orthê doxa) do saber fundamentado (epistêmê). A resposta à pergunta sobre a origem do conhecimento da verdade (Mên. 80d-86c) é decisiva para a compreensão platônica tanto do ser quanto do homem. De acordo com Platão, o conhecimento sensível conduz a uma opinião, cuja exatidão pode ser provável, mas não pode ser estabelecida com segurança e certeza. Consequentemente, todo o âmbito do devir material está eliminado como lugar do conhecimento da verdade. Se, portanto, resta apenas o pensamento puro como via para o saber, Platão deve explicar como o homem, ao pensar, chega a conhecimentos que ele não pode ter obtido pela PERCEPÇÃO SENSORIAL. A teoria da assim chamada REMINISCÊNCIA (anamnêsis) serve para isso: a alma do homem já existiu antes e fora do corpo e, nesse estado preexistente, viu as verdades ideais da essência de todas as coisas. Pelo nascimento no corpo, ela esqueceu essas verdades perfeitamente vistas. Em sua ligação corpórea, a alma só pode atingir o saber mediante um penoso processo de rememorar os conhecimentos essenciais esquecidos, processo no qual ela pode bem ser auxiliada por mestres filosóficos (cf. a “arte da parteira” (MAIÊUTICA) de Sócrates). Segundo Platão, o que comumente se entende por “aprender” não é senão o processo da reminiscência. Portanto, a pergunta pela possibilidade de ganho de saber leva em Platão a um dualismo ontológico e antropológico: da concepção de que o mundo do DEVIR sensível não pode proporcionar CONHECIMENTO seguro ele deduz a existência de um âmbito de verdades essenciais puramente ideais que transcendem o mundo e são acessíveis apenas ao conhecimento intelectual do pensamento, e das quais a alma sempre já teve um saber a priori. (SCHÄFER)


ABEL, Olivier. L’éthique interrogative. Paris: PUF, 2000, p. 29.

Fala-se frequentemente, em história da filosofia e das mentalidades, de “dualismo”. Fala-se disso para Platão, para Plotino e todas as sínteses medievais, para Descartes, etc. Mas na eventualidade do enunciado da doutrina ser o mesmo (não é verdadeiramente o caso), ela ainda assim não responde às mesmas questões. Em Descartes, a separação do corpo (que é geometria) e do pensamento (que é inteligência e vontade) serve a fundar a ciência. Em Plotino e os neoplatônicos, o dualismo do espírito e da matéria serve a não comprometer Deus com o mal. Em Platão, enfim, as dualizações servem a não apagar rapidamente o múltiplo no Uno. Assim, a mesma doutrina que nós interpretamos ingenuamente em relação às questões implícitas que nós lhe colocamos, respondeu historicamente a questões muito diferentes; e ela tomou portanto sentidos muito diferentes segundo às questões sucessivas, de que cada uma remanejou profundamente a doutrina por inteiro.