gr. érgon: trabalho, feito, produto, função. Aristóteles distingue as atividades que têm um produto exterior delas mesmas como seu fim, daquelas que não têm.


O objeto da τέχνη (arte) é ο ποιητόν (o que deve ser produzido), ο ἔργον (a obra), a obra que emerge junto a um produzir e erigir. Esse ἔργον (essa obra) é um ἕνεκα τινος (cf. Ética a Nicômaco EN6, 2; 1139b 1), ele é “em virtude de algo”; ele tem uma referência a algo diverso. Ele é oὐ τέλος ἁπλῶς (43) (b2), ele não é “nenhum fim puro e simples”. O ἔργον (a obra) tem em si a referência a algo diverso; como τέλος, ele remete para além de si: ele é um πρός τι καί τινος (b2ss.), algo feito “com vistas a algo para alguém”. O sapato é produzido com vistas ao calçar, para outro. Nessa dupla caracterização reside o fato de o ἔργον (a obra) da ποίησις (produção) se mostrar como algo produzido com vistas a um outro emprego para o homem. A τέχνη (arte), portanto, só tem o ἔργον (obra) como objeto do ἀληθεύειν (desvelamento) até o ponto em que ele ainda não está pronto. Logo que a obra fica pronta, ela sai do âmbito de domínio da τέχνη (arte): ela se toma objeto do uso em questão. Isso é expresso por Aristóteles justamente de modo a determinar ο ἔργον (a obra) como παρά, como algo “ao lado” da τέχνη (arte). A τέχνη (arte) se remete, com isso, a um ente, na medida em que ele é concebido em meio ao vir-a-ser. ἔστιν δὲ τέχνη πᾶσα περὶ γένεσιν (Ética a Nicômaco EN6, 4; 1140a10ss.). (Heidegger, GA19:41-42)


Uma vez que a τέχνη (arte) não alcança mais ο ἔργον (a obra), porque ele sai de seu âmbito, ela se encontra de certa maneira como a τύχη, como o acaso, τρόπον τινά περί τα airccc ἐστίν ἡ τύχη καί ἡ τέχνη (De algum modo, ο acaso e a arte dizem respeito às mesmas coisas – Ética a Nicômaco VI, 4; 1040a18). τύχη (acaso) e τέχνη (arte) apontam de certa maneira para o mesmo. O característico do acaso é o fato de ele não ter na mão aquilo que emerge. O mesmo acontece no caso da τέχνη (arte): por mais que ela possa se mostrar como preparada até as raias da minúcia, ela nunca dispõe com absoluta certeza sobre o sucesso da obra. A τέχνη (arte) não tem em última instância ο ἔργον (a obra) na mão. Com isso, torna-se manifesta uma falha fundamental do ἀληθεύειν (desvelamento), por meio da qual a τέχνη (arte) é caracterizada. (Heidegger, GA19:44)


1. Ergon, o termo vulgar grego para algo feito ou construído, é usado pelos filósofos com um duplo sentido: ou como a atividade de uma coisa ou como o produto dessa atividade. Aristóteles assinala com frequência a distinção (v. g., Ethica Nichomacos I, 1094a) e isso leva-o à questão ulterior e capital nas suas especulações éticas de que algumas atividades têm como sua finalidade (telos) um produto (não necessariamente um «objeto»; um exemplo frequente em Aristóteles é que a saúde é o ergon da medicina), enquanto outras têm como seu telos a própria atividade (ver Eth. Eud. 1219a). Esta é em geral a distinção que Aristóteles faz entre a atividade conhecida como poiesis e a atividade chamada praxis (ver episteme, techne).

2. Esta distinção entre poiesis e praxis, produção e ação, é uma distinção eticamente orientada, mas tem implicações metafísicas que vão muito mais longe. Estas são estabelecidas na Metafísica 1050a onde Aristóteles aperfeiçoa o conceito de ergon transformando-o no de «estar em atividade» (en-ergeia). Este último estado é a finalidade (telos) do ser (neste ponto a energeia está relacionada com en-telecheia (entelechia), «estar em completude»), quer a atividade termine num ergon externo ou não. A única diferença é que na poiesis a energeia está na coisa feita, enquanto a praxis é a atividade daquele que faz. Por isso o movimento existe na coisa movida, mas a visão é uma energeia naquele que vê e a vida uma energeia na alma (comparar a definição de alma em psyche).

3. Esta identificação de telos / ergon / energeia (e, na continuação do mesmo passo, com eidos e ousia) leva a outro e importante significado de ergon como a função ou atividade própria de uma coisa. Preliminar aqui é o uso de ergon, atividade, em oposição às coisas que acontecem a um sujeito (pathemata; ver De anima I, 403a e pathos, paschein). Ambos, erga e pathemata, são importantes do ponto de vista metodológico visto que, juntamente com a dynamis, definem o campo de estudo do physikos ou filósofo natural (De anima I, 403b, De coelo in, 307b; confrontar-com aphairesis). Daí o uso transforma-se gradualmente em atividade própria ou função tanto num sentido físico (ver De gen. anim. 731a) como num sentido ético (Ethica Nichomacos I, 1097b), e mesmo em expressões mais gerais como «a função própria da filosofia» (Physica li, 194b) e «a função da dialética» (Soph. El. 83a-b).

4. Ergon como função desempenha o seu papel na ética de Aristóteles, como tinha acontecido com Platão antes dele. Ambos estão interessados em estabelecer uma norma de comportamento e ambos lançam mão de padrões fenomenológicos, tentando ligar a excelência (arete) com a função (ergon). Platão define esta última como «aquilo que a coisa em questão faz sozinha ou melhor» (Republica 353a) e faz a excelência consistir no poder específico que permite que essa função opere bem. A posição de Aristóteles é um tanto ou quanto diferente. Para ele a arete é um certo e alto nível de realização em relação à função; alto nível que é garantido por não tomar como norma qualquer homem mas antes conferir a função à realização do «homem sério» (spoudaios; Ethica Nichomacos I, 1098a).

5. O que é então o ergon do homem? Para Platão são as atividades que só o homem pode executar: direção, governo, deliberação; e a arete peculiar ao homem que lhe permite realizá-las bem é a dike. Para Aristóteles o ergon do homem é uma «energeia da alma de acordo com o logos», e, uma vez que o bom de uma coisa é descrito em termos da sua função, o bom do homem é esta atividade ao nível da excelência (Ethica Nichomacos 1098a). (Termos Filosóficos Gregos, F. E. Peters)


De etimologia controversa este termo grego está na origem de uma terminologia considerável nas línguas indo-europeias. Ele designa na origem a obra, o produto, mas também o trabalho e a função. Ergon pode com efeito exprimir também o resultado de um atividade ou de um trabalho assim como a característica própria desta atividade ou sua função (Aristóteles Ética a Nicômaco I 1, 1094a). Este traço permite a Aristóteles de distinguir as atividades que têm um produto no exterior delas mesmas como seu fim, daquela que disto não têm (vide praxis, poiesis). Em Metafísica 108, 1050a21, Aristóteles identifica a função, o fim (telos e o ato (energeia): são os conceitos que exprimem a realização do ser, sem conclusão, sua entelechia. Todo ser que tem a um ergon existe para este ergon (De Caelo, II 3, 286 a8-9).

Platão deu uma significação ética ao conceito de função própria: aquilo que um ser ou uma parte da alma cumpre melhor (República I, 353a), abrindo assim a via à determinação da excelência correspondente (arete). Platão e Aristóteles estabeleceram, no quadro da ética, a questão do ergon próprio do homem: Platão o identificava à reflexão e à deliberação, cuja virtude particular é a justiça, enquanto Aristóteles falou de uma energeia da alma conforme ao logos (Ética a Nicômaco 16, 1098a). (Notions philosophiques)


Trabalho/função (ergon)

O uso do termo ergon é ambíguo em Platão em vários aspectos. De um lado, reflete-se nele uma mistura de “fazer” (no sentido de “produzir” ou “fabricar”) e “atuar” (“ser ativo”): portanto, ergon designa, de um lado, o produto de determinada atividade, especialmente de diferentes artes (technai), de modo que, por exemplo, a casa aparece como ergon do construir ou a saúde como ergon da medicina (Cárm. 161e, 165c-,Eutid. 280c). É característica desse uso poiético a distinção ôntica entre o trabalho como resultado e a atividade que o produz. Em oposição a isso, o trabalho e aquilo a que ele pertence, no caso do segundo uso, o uso prático do conceito, não são separados: assim, o ergon do olho é a atividade de ver e o trabalho da faca é cortar. Nesse segundo sentido, um ergon é atribuído tanto a seres vivos como um todo quanto a suas partes, assim como a artefatos (Rep. 352e-353a). Tanto no uso poiético quanto no prático, o aspecto da funcionalidade é conotado em determinados contextos de sistemas (em parte concebidos intencionalmente) (Crát. 388c-d), motivo pelo qual pode ser traduzido em muitas passagens também como “função” ou “tarefa”. A atribuição de tal função deve-se ou à providência divina (íon 537c) ou a considerações pragmático-sociais: assim, no Estado bem-ordenado, “cada um tem uma tarefa fixa que é obrigado a cumprir” (Rep. 406) Nisto, o funcionamento do todo é dependente do cumprimento da função das partes individuais; por exemplo no caso da teoria do Estado platônica: é dependente do exercício dos papéis dos estamentos individuais, dos quais cada um tem de fazer o lhe é próprio (ver justiça). (SCHÄFER)