nóêsis: a operação do noûs, pensar (como oposto à sensação), intuição (como oposto ao raciocínio discursivo)
1. Diferenças sutis entre a mera percepção de um objeto ou objetos, i. e., a sensação (aisthesis) e outra espécie de consciência psíquica que vai além dos dados dos sentidos e percebe coisas menos tangíveis, como semelhanças e diferenças entre os objetos, está já presente em Homero e é identificada com o órgão chamado noûs. Com os filósofos a diferença torna-se um problema. Heráclito suspeita da falibilidade da sensação para a percepção da verdadeira natureza das coisas. É incansável na sua asserção de que «a natureza gosta de ocultar-se» (ver frg. 123 e logos 1), e esta realidade oculta está claramente fora do alcance dos homens que confiam demasiado implicitamente nos seus sentidos (frg. 107). Como é que a outra faculdade que é capaz de discernir o logos oculto das coisas podia operar não é imediatamente aparente, embora sejamos informados (Sexto Empírico, Adv. Math. VII, 129) de que o noûs que está dentro de nós é ativado pelo seu contato, através dos canais da sensação (aisthetikoi poroi), com o logos divino no universo, contato esse que é mantido de modo atenuado pela respiração (ver pneuma) durante o sono. Os sentidos, portanto, são obviamente uma espécie de condição para a noesis, embora não sejam, como é evidente no frg. 107 e seus congêneres, idênticos a ela.
2. Aristóteles observa (De anima III, 427a; Metafísica 1009b) que os pré-socráticos não fizeram geralmente distinção entre a noesis e a aisthesis. É fácil de compreender por que é que ele assim pensou visto que todos eles tentaram explicar as operações da psyche em termos puramente físicos, procedimento que, de acordo com Aristóteles (loc. cit.), não pode explicar o erro (pseudos) uma vez que o semelhante pode conhecer o semelhante (ver homoios, aisthesis). De um certo ponto de vista isto é verdade; mas é igualmente verdade que desde o ataque de Parmênides à percepção sensível em termos de instabilidade do seu objeto (ver on 1, episteme 2) se tornou uma necessidade epistemológica distinguir entre os perigos óbvios da aisthesis e um «verdadeiro conhecimento» mais ou menos independente dos sentidos.
3. Estas tentativas podem ver-se nas dúvidas de Empédocles sobre a confiança na nossa percepção sensível e na necessidade de auxílio divino (Sexto Empírico, Adv. Math. VII, 122-14). Mas as limitações da sensação aqui parecem ser devidas mais ao mau uso que delas fazemos do que a qualquer fraqueza inerente às mesmas (frg. 3, versos 9-13). Quando passa a explicar a possibilidade do erro (chamado a ignorância e oposto a phronesis; Teofrasto, De sens. 9), Empédocles recorre a uma explicação mecanicista de como os efluxos (aporrhoai; ver aisthesis 7) de um objeto dos sentidos são apenas simétricos com os poros do seu órgão adequado dos sentidos, e assim não pode ser julgado pelos outros (Teofrasto, op. cit. 7). Se o pensamento é para Empédocles qualquer coisa ele é um tipo especial de sensação que ocorre no sangue em virtude dele ser uma mistura perfeita de todos os stoidieia (ibid. 9).
4. É um pouco mais surpreendente encontrar Anaxágoras, o eminente preconizador do noûs, no catálogo aristotélico dos que não conseguiram distinguir a sensação do pensamento. Nos fragmentos encontramos de fato as afirmações habituais que lançam dúvidas sobre a sensação (v. g. frg. 21), mas não há nenhuma explicação da noesis. Na verdade, o noûs não parece ser de modo algum um princípio cosmológico. Inicia o movimento (e nisto tem óbvias afinidades com a alma; ver psyche 1, 7, e passim) e guia e governa tudo (frg. 12). O que Anaxágoras obviamente oferece é a presença de um certo princípio inteligente e por isso com finalidade no universo. Mas parece que o noûs é também um princípio imanente e somos informados de que não está presente em tudo (frg. 11). Alcméon de Crotona, que tinha já lucidamente distinguido a phronesis da aisthesis, sustentou que aquela era característica apenas dos homens (Teofrasto, De sens. 25), mas não fazemos qualquer ideia da extensão do noûs imanente em Anaxágoras. Provavelmente cobria o mesmo campo que a psyche, i. e., todo o mundo animado.
5. Para Diógenes de Apolônia, que também se debruçou sobre o problema, o aer — a arche inteligente e divina — é contínuo e está presente em todas as coisas que existem (frg. 5), mas presente em graus variados. O grau baseia-se na secura e no calor do ar, distinções de textura que explicam progressivamente atos cognitivos superiores (Teofrasto, op. cit. 40-43). Deste modo são explicados a ausência completa das atividades cognitivas nas plantas e o grau relativamente superior da phronesis no homem, quando comparado aos outros animais (ibid. 44).
6. As teorias dos atomistas sobre as qualidades sensíveis (ver aisthesis 11, pathos 4) exigiam aperfeiçoamentos nas faculdades cognitivas. Muitas das qualidades assim chamadas são impressões puramente subjetivas e a verdadeira natureza do atonion não é visível à vista. Daqui tira Demócrito a distinção (frg. 11) entre um conhecimento genuíno e um conhecimento sofisticado; este é a sensação e aquele, possivelmente (o texto interrompe-se), a razão, operação do logikon que se localiza no peito (Aécio IV, 4, 6; ver kardia 2 e psyche 7), Mas se bem que a phronesis e a aisthesis tenham objetos diferentes e sedes diferentes, os mecanismos da sua operação são os mesmos (Aécio IV, 8, 5; IV, 8, 10).
7. Para recapitular a atitude pré-socrática: havia sólidas bases epistemológicas para fazer uma distinção em espécie entre o pensamento (noesis, phronesis; no contexto epistemológico, episteme) e a sensação (aisthesis; no contexto epistemológico doxa) e, na verdade, a diferenciação pôde ser especificada quando se passou a atribuir-lhes diferentes localizações no corpo (aisthesis ligada aos órgãos dos sentidos; a faculdade superior numa localização central, embora nem sempre distinta da noção mais genérica da psyche; ver kardia). Mas as operações desta faculdade superior podiam distinguir-se das da sensação somente em grau, v. g. mais delicadas ou mais quentes na composição.