noûs

noûs (ho): espírito. Latim: spiritus, intellectus.

Esse termo tem dois sentidos:

– substância: espírito;

faculdade mental: inteligência.

Essa forma, usual nos filósofos clássicos, é a contração de nó-os (noos), que se encontra no dialeto jônio; o radical no designa pensamento. A linguagem filosófica emprega vários derivados:

nóesis / noesis: Razão contemplativa.

noerós / noeros: Intelectual.

nóema / noema: Pensamento. Arcaico, empregado por Parmênides.

noetón / noeton: Aquilo que é pensado. Platão e Plotino empregam a palavra no plural: noetá / noeta.

noeîn (verbo) / noein: Ato de pensar. É encontrado em Parmênides, Platão, Aristóteles e Plotino.

énnoia / ennoia: Pensamento (intelectual). Empregado por Platão e Epicteto.

diánoia / dianoia: Razão raciocinante.

epínoia / epinoia: Pensamento. Em Pitágoras.

eúnoia / eunoia: Benevolência. Em Aristóteles.

prónoia / pronoia: Providência divina. Especificamente nos estoicos.

hypónoia / hyponoia: Conjectura. Em Marco Aurélio.

ágnoia / agnoia: Ignorância.

Encontramos o termo noûs empregado desde a origem tanto no sentido metafísico quanto no psicológico. Diógenes Laércio (I, 35) cita um aforismo de Tales: “De todos os seres, (…) o mais rápido é o Espírito (nous), pois ele percorre tudo.” Essa palavra pode ser entendida nos dois sentidos. Pitágoras também emprega alternadamente os dois sentidos. Diz ele: “A Mônada, que é Deus e Bem, é o próprio Espírito” (Aécio, I,VII, 18).Trata-se,pois, de uma realidade substancial. Mas, em outro lugar: “Nossa alma é formada da tétrade, a saber: inteligência (noûs), ciência, opinião, sensação” (íbid., I, III, 8). Aqui se trata de uma faculdade mental.

Foi Anaxágoras que deu ao noûs toda a sua importância metafísica. Ele apresenta eternamente duas realidades, uma material – o caos (ápeiron) – e outra espiritual – o Espírito (noûs). O Noûs, potência ativa, organiza o caos, potência passiva, e com ele faz o mundo (D.L., II, 6). Assim, o Indeterminado é potência (dynamis / dynamis) (Aristóteles, Met., T, 4), enquanto o Espírito é ato (enérgeia / energeia) (ibid., A, 6). Anaxágoras escreve: “O Espírito é eterno (fr. 14), autônomo (autokratés / autokrates), existe separadamente (uóvoç), sem se misturar a nada” (fr. 12; Aristóteles, Met., Lambda, 8). E ele que realiza a separação dos elementos confundidos (fr. 13). Assim, “ele é o Princípio primeiro de todas as coisas”, é “a causa da beleza e da ordem” (Aristóteles, De an., I, 2).

Heráclito trata do noûs como uma faculdade mental: “aqueles que falam com espírito” (fr. 114):”a erudição não é um sinal de espírito” (fr. 40). Parmênides também emprega noûs no sentido de pensamento (fr. XVI); Empédocles, no sentido de inteligência (fr. II, 8; fr. III, 13). E também Platão:”Aquele que tem espírito” (Fedão, 62e); a Realidade transcendente só é conhecida pela inteligência espiritual: nô (dativo).

Aristóteles dá ao noûs, sucessivamente, os dois sentidos. Sentido psicológico em De anima, onde acrescenta um elemento novo; explica o conhecimento por dupla inteligência: de um lado, o intelecto passivo (pathetikós / pathetikos), às vezes chamado de “intelecto paciente”, de acordo com o latim, que é “como uma tábua na qual nada ainda está escrito” (III, 4); por outro lado, o intelecto ativo (poietikós / poietikos), chamado às vezes de “agente”, “princípio causal”, que produz o conhecimento, que escreve na tábua. Ora, enquanto o intelecto passivo é corruptível, ou seja, está associado à decadência do corpo, o intelecto ativo está “separado”, ou seja, não ligado ao corpo; “não tem mistura, é impassível”, e assim “imortal e eterno” (III, 5). O sentido metafísico aparece em Metafísica: Deus é a própria Inteligência; portanto, é Espírito, realidade primeira e perfeita; o Noûs é aí a mais divina das realidades; ele é o próprio Ato de pensar (Met., Lambda , 9). v. nóesis. Ademais, Aristóteles opõe ao intelecto prático (noûs praktikós), que se aplica às realidades sensíveis, o intelecto especulativo (noûs dianoetikós ou noetikós), que se aplica aos objetos mentais (De an., III, 7).

Plotino segue Aristóteles. Do ponto de vista psicológico: “Há, por um lado, o intelecto raciocinante (logizómenos) e, por outro, aquele que possui os princípios do raciocínio. Essa faculdade de raciocinar não precisa de um órgão físico (…), está separada e não tem mistura com o corpo” (V, 1,10). Do ponto de vista metafísico, o lugar do Noûs é um tanto relativo: ele é a segunda das Hipóstases que constituem a Realidade original. A primeira, absoluta e primeiro Princípio, é o Uno (hén) ou o Bem (agathon); a segunda é o Espírito, ou Noûs, que dele procede necessariamente desde toda a eternidade; embora segundo, esse Noûs possui um conjunto de atributos que fazem dele um absoluto: ele é o lugar das Essências platônicas, a Inteligência em ato de Aristóteles, a Beleza eterna, o Ser, a Potência criadora (V, I, 5-7, 10; II; III, 1-12; IV, 2;VI, 4;VIII, 3, 5; IX, 3-9; I,VIII, 2). O homem, por seu próprio espírito, participa do Noüs absoluto; por isso, é imortal. É esse espírito que é o instrumento da contemplação das Ideias, dos Inteligíveis (noetá) e faz o homem ter acesso à verdade (V, I, 11; III, 3, 5-8). Por isso, ele é a essência do homem: “é próprio do homem, é a vida segundo o espírito”: bios katà tòn noûn (I, IV, 4, 10).

Marco Aurélio vai mais longe e garante que “o espírito de cada um de nós é um deus” (XII, 26).

Para Proclo, o Espírito é múltiplo; não é apenas o Espírito, que procede do Uno, mas sim espíritos (noî / noi), que participam do Uno. Todo espírito é divino, ato, pensa-se a si mesmo; é substancial, indivisível, gerador de ideias (Teologia, 160-183). (Gobry)