On, ónta (pl.): ser, seres
1. O problema da natureza do ser surge pela primeira vez no contexto da série de dicotomias lógicas de Parmênides entre o ser e o não-ser (me on): aquilo que é, não pode não-ser; aquilo que não é, não pode ser, i. e., uma negação da passagem do ser ao não-ser ou gênesis (q. v.; frg. 2), e o seu corolário, uma negação da mudança e do movimento (frg. 8, versos 26-33, 42-50; para os correlativos teológicos desta posição, ver noûs 2). Em segundo lugar, o ser é uno e não múltiplo (frg. 8, versos 22-25). E finalmente a premissa epistemológica: só o ser pode ser conhecido ou nomeado; o não-ser não pode (frg. 3; frg. 8, verso 34); ver doxa. O ser, em suma, é uma esfera (frg. 8 versos 42-49). A maioria dos pré-socráticos tardios negaram esta última premissa (cf. stoicheion e atomon), como o fez Platão para quem o realmente real (to ontòs on) eram os eide múltiplos, e que dirigiu contra isso a segunda metade do Parmênides (137b-166c).
2. A solução para o dilema do não-ser (para a sua solução epistemológica, ver doxa e heteron) e a chave para a análise de gênesis começaram com a postulação platônica do espaço (ver hypodoche) em que se realiza a gênesis e que fica a meio-caminho entre o verdadeiro ser e o não-ser (Tim. 52a-c). Para Platão, como para Parmênides, o não-ser absoluto é um absurdo (Soph. 238c), mas há um grau relativo ilustrado não só pelo Receptáculo supracitado, mas também pelas coisas sensíveis (aistheta) (Soph. 240b; Tim. 35a, 52c). Entre a hierarquia platônica das Formas, há um eidos do ser; na verdade é uma das Formas mais importantes que invadem todo o resto (Soph. 254b-d; confrontar isto com a natureza particular do on em Aristóteles, Meta. 1003a). Além disso, Platão distingue os seres reais (ontos onta) daqueles que têm gênesis, e no Timeu 28a elabora uma correlação epistemológico-ontológica: os onta são conhecidos pelo pensamento (noesis) acompanhado de um relato racional (logos); os seres gerados são apreendidos pela opinião (ou juízo, ver doxa) baseada na sensação (aisthesis).
3. Uma vez que o ser é objecto da ciência da metafísica (Meta. 1031a) o tratamento que Aristóteles faz do on é muito mais elaborado. A primeira distinção é entre o «ser qua ser» (to on he on), que é o objecto da metafísica, e os seres individuais (onta), que são os objectos das outras ciências. Este é o ponto de vista na Meta. 1003a, mas Aristóteles não é firme neste ponto: noutros passos (ver Meta. 1026a; Phys. 192a, 194b; De an. 403b) afirma que a metafísica estuda o ser que é separado e imóvel (ver theologia). Assim, o «ser» é peculiar pelo facto de ser definido não unívoca ou genericamente, mas analogamente através de todas as categorias (Meta. 1003a), e nisto ele é como o «uno» (hen) (Meta. 1053b) e o «bem» (agathon) (ibid. Eth. Nich. i, 1096b); ver katholou. Segue-se uma distinção básica (ibid. 1017a-b): qualquer coisa «é» ou acidentalmente, ou essencialmente, ou epistemologicamente, ou na dicotomia ato (energeia) / potência (dynamis). O «ser» epistemológico (ver doxa) é tratado algures (ver Meta. 1027b-1028a, 1051a-1152a), tal como a potência/ato (ver Meta. Theta passim), por isso Aristóteles concentra aqui a sua atenção naquilo que «é» essencialmente. É algo que cai dentro das dez kategoriai (Meta. 1017a) e é, principalmente, substância (ousia; ibid. 1028a-b). Um ponto de vista um tanto diferente emerge da decomposição que Aristóteles faz dos vários sentidos do não-ser (me on) na Meta. 1069b e 1089a: algo não é, quer como uma proposição negativa, i. e., uma negação de um dos predicados, quer como uma falsa proposição, quer finalmente, kata dynamin, i. e., por ser qualquer coisa só potencialmente mas não atualmente. É desta última que surge a gênesis (ver também dynamis, energeia, steresis).
4. No universo plotiniano o Uno (hen) está para além do ser (Enn. V, 9, 3; confrontar a descrição platônica do Bem para além do Ser na Rep. 509b e ver hyperousia). O reino do ser começa ao nível do noûs dado que tanto o ser como o noûs estão contidos no noûs (ibid. V, 5, 2; v, 9, 7). O não-ser é tratado muito à maneira platônica e aristotélica: a matéria (hyle) que é apenas uma réplica (eikon) do ser é apenas quase-ser (Enn. I, 8, 3). Fílon, com o seu sentimento fortemente desenvolvido . da transcendência divina (ver hyperousia), restringe o verdadeiro ser apenas a Deus (Quod deter. 44, 160), e põe em discussão a interpretação metafísica da famosa frase no Exod. 3, 14: «Eu sou quem sou»; ver hypodoche, hyle, genesis. [F.E. Peters]