eidos

6. A origem da teoria deve ser procurada mais na fonte. Sócrates estivera interessado em definir qualidades éticas (ver Metafísica 987b), provavelmente como reação contra o relativismo sofistico (ver nomos), e há razão para acreditar que os eide platônicos eram versões hipostasiadas precisamente dessas definições (logoi; ver Fédon 99e, Metafísica 987b, e comparar a conexão com a predicação, infra). De fato, nos «Diálogos Socráticos» pode ver-se o próprio Sócrates movendo-se em tal direção (ver Lísias 219d, Êutifron 5d, 6d; passos do Êutifron usam realmente eidos, mas o significado ainda está próximo de «aparência»; no Ménon 72c-e o uso tomou-se já mais abstrato). Mas, conforme o testemunho de Aristóteles, Sócrates «não separou a definição universal» (Metafísica 1078b), i. é, esta não possuía ainda existência transcendente, subsistente (choriston).

7. Para Platão os eide existiam separadamente (ver Timeu 52a-c) e as razões disto podem ser procuradas em considerações epistemológicas bem como nas éticas que preocuparam Sócrates e que também, quase de certeza, exerceram influência em Platão. Já assinalamos a sugerida influência de Heráclito em Platão (ver Metafísica 987a-1078b) para concluir que, dada a natureza flutuante e mutável dos fenômenos sensíveis (ver rhoe), o verdadeiro conhecimento (episteme) é impossível, impossível, isto é, a não ser que haja uma realidade estável e eterna para além do meramente sensível. Os eide são essa realidade supra-sensível e assim a causa da episteme e a condição de todo o discurso filosófico (Fédon 65d-e, Parm. 135b-c, Republica 508c ss.). Para os ulteriores corolários epistemológicos. ver doxa, episteme, noesis.

8. Embora os eide sejam o fulcro da metafísica platônica, Platão em parte alguma apresenta prova da sua existência, aparecem primeiro como uma hipótese (ver Fédon 100b-101d) e assim permanecem, se bem que sujeitos a uma crítica severa (Parm. 130a-134e). São conhecidos, numa pluralidade de métodos, pela faculdade da razão (nous; Republica 532a-b, Timeu 51d). Um desses primeiros métodos é o da recordação (anamnesis), onde a alma individual relembra os eide com que esteve em contato antes do nascimento (Ménon 80d-85b, Fédon 72c-77d; ver palingenesia). Sem as conotações religiosas concomitantes é o método puramente filosófico da dialektike (ver Republica 531d-535a; para a diferença que faz do raciocínio matemático, ibid. 510b-511a; e da erística, Phil. 15d-16a). Tal como foi primeiramente descrito, o método visa o progresso de uma hipótese até a uma arche não-hipotetizada (Fédon 100a, 101d; Republica 511b), mas nos diálogos posteriores a dialektike aparece como uma metodologia plenamente articulada, compreendendo a «reunião» (synagoge) seguida por uma «divisão» (diairesis) que desce através das diaphorai, de uma Forma mais compreensiva até ao atomon eidos. Finalmente podem abordar-se os eide através do eros, paralelo desiderativo da primitiva forma da dialética (ver epistrophe).

9. A relação entre os eide indivisíveis e eternos e os fenômenos sensíveis (aistheta) e transitórios é descrita numa série de maneiras diferentes. Os eide são a causa (aitia) dos aistheta (Fédon 100b-101c), e diz-se que estes últimos participam (methexis) dos eide. Numa elaborada metáfora, constante em Platão, o aistheton é explicado como uma cópia (eikon) do seu modelo eterno (paradeigma), o eidos. Este ato de criação artística (mimesis) é obra de um artífice supremo (demiourgos).

10. Poucos problemas se têm levantado acerca da transcendência dos eide (cf. Timeu 51b-52d), mas o uso que Platão faz de methexis sugere também um grau de imanência (Fédon 103b-104a, Timeu 50c; e ver gênesis), e isto constitui o centro de muita da crítica no Parmênides (ver 130a-132b) e em extensos passos da Metafísica. Onde colocar, então, os eide? Aqui surge a analogia. Tal como os aistheta estão contidos numa certa espécie de unidade orgânica que é o kosmos, assim também os eide existem em algum «lugar inteligível» (topos noetos, Republica 508c, 517b; a expressão kosmos noetos, não aparece antes do platonismo tardio) localizado «para além dos céus» (Fedro 247c). A imagem torna-se mais penetrante no Timeu 30c-d onde os eide estão organizados dentro do «ser vivo inteligível» (zoon noeton). Ver também ekei.

11. À primeira vista parece haver um eidos platônico para cada classe de coisas. Assim há eide éticos (Farm. 130b, Fedro 250d), eide matemáticos (Fédon 101b-c; ver arithmos eidetikos), eide de objetos naturais (Timeu 51b, Soph. 266b; confrontar Metafísica 1070a) e até mesmo de objetos triviais (Parm. 130c). O que é talvez mais surpreendente é encontrar eide para objetos artificiais (Republica 596a-597d, Soph. 256b. Ep. VII, 343d; comparar Metafísica 991b), relações (Fédon 74a-77a, Republica 479b, Parm. 133c), e negativos (Republica 476a, Teeteto 186a, Soph. 257c). Por trás de tudo isto pressupõe-se a methexis: uma vez que os sensíveis participam dos eide devem ser nomeados univocamente (homonymos) com eles (Parm. 133d, Soph. 234b; ver D. L. III, 13), e assim os modos de predicação podem ser tomados como critérios para a existência dos vários eide (Republica 596a). São, então, os eide apenas ideias ou conceitos? O problema é efetivamente levantado nos diálogos, apenas para ser negado (ver Parm. 132b-c, 134b).

12. Em vários pontos dos diálogos Platão parece conceder preeminência a um ou outro dos eide. Por isso tanto o Bem (Republica 504c-509c) como o Belo (Symp. 210a-212b) são postos em relevo, para não falar da hipótese evidente do Uno no Parmênides (137c-142; ver hen, hyperousia). Mas o problema da inter-relação ou, como Platão lhe chama, «combinação» ou «comunhão» (koinonia), e, implicitamente, da subordinação dos eide não é levantado formalmente antes do Sofista. Concorda-se, de novo na base da predicação, que alguns eide se misturarão com outros e outros não, e que a tarefa da dialética é discernir os vários grupos, particularmente através do método diacrítico conhecido por diairesis (Soph. 253b-e).

13. Platão escolhe, para ilustrar o processo, (ibid. 254b-255e) cinco eide — Existência (on), o Mesmo, o Diferente (heteron), Movimento (kinesis) e Repouso, os quais designa por (254d) «os gêneros maiores» (megista gene). Ambas as palavras nesta expressão estão abertas a diferentes interpretações. Uma leitura de megista como um verdadeiro superlativo, «o maior» e de gene. como «gêneros» ou «classes» leva à descoberta dos summa genera platônicos, o equivalente das kategoriai aristotélicas. A passagem foi assim lida por Plotino (ver Enéadas VI, 1-3) que fala dos gene do ser. Mas há uma grande dúvida quanto aos gene deverem ser lidos como genera no sentido aristotélico; é característico em Platão o uso frequentemente de genos como sinônimo de eidos e assim a expressão em causa pode não significar mais do que «alguns eide muito importantes».

Para outros aspectos do eidos platônico, ver arithmos, mathematika, metaxu, monas, dyas.