Beleza

A alma é bela: O Uno é além do Belo, a Inteligência é o Belo. A beleza da Alma vem de que ela é um traço do Belo, mas ela é bela sobretudo quando ela olha para a Inteligência (Eneada-V, 8, 13). Se se trata de almas individuais, só é bela aquela à quem a Inteligência dá a sabedoria (ou a prudência, phronesis) (Eneada-V, 9, 2). (Henri Crouzel)


Ainda que admire o universo como algo belo, conforme aludimos, Plotino insiste em que não deve o homem fixar-se nele. Mas, por outro lado, seria impiedade e injustiça desprezá-lo, como o faziam os gnósticos, porquanto não se podem procurar “na segunda categoria (= dos seres criados) as qualidades primárias (= do criador)” (En. III, 2, 7, 3: mêd’en deutérois zêtein tà prôta). Faz-se mister admirar as belezas, mas, ao mesmo tempo, esforçar-se constantemente por delas afastar-se. Estamos ante uma tensão interior, com duas forças antagônicas lutando entre si. As belezas deste mundo devem ser um trampolim, para que o homem se eleve ao puro modelo: “Quando se admira uma cópia, é ao modelo que vai a admiração” (En. V, 8, 8, 11-13). Satisfazer-se com este mundo representa, para os homens, esquecer o seu princípio e esquecer-se de si mesmos: “(…) são como crianças que, afastadas desde cedo de seus pais e educadas largo tempo longe deles, não se conhecem a si, nem aos seus pais. (Excertos de “Plotino, um estudo das Enéadas”, de R. A. Ullmann)


Qual o papel da inteligência? Por ela, a alma capta a beleza em todas as suas formas, seja a beleza intelectual, interior, seja a beleza da arte ou do mundo circundante. O belo tem o con-dão de fazer a alma entrar em si mesma e fazê-la recordar a origem divina (Cf. En. I, 6, 4.). Mero belo de empréstimo, o belo sensível constitui uma força motriz capaz de conduzir a alma ao belo incorpóreo. Para Plotino, o belo não anuncia ou enuncia simplesmente a si mesmo, mas é revelação de algo que o transcende, de algo inteligível. A beleza tem, pois, função iniciática. Ao Uno, Belo subsistente, a alma só logra alçar-se, se não mais tiver nenhuma alteridade (Cf. En. VI, 9, 8), isto é, quando tiver abstraído, por completo, da matéria. Por outra, o homem deve “fugir do mundo”. Essas palavras soam como se foram de um cristão, com os olhos e o coração voltados exclusivamente para o alto. Essa fuga do mundo Plotino expressa-a metaforicamente com o retorno de Ulisses à pátria1. O itinerário para Deus representa uma verdadeira odisseia espiritual.

Tendo atingido a Beleza absoluta, a alma abandona todas as outras belezas, como um visitante de um palácio, que deixa de olhar as estátuas do vestíbulo, ao encontrar-se com o dono da mansão. Em outros termos, a realidade deste mundo, com suas belezas, deve mover o homem para o mundo verdadeiro2. (Excertos de “Plotino, um estudo das Enéadas”, de R. A. Ullmann)


  1. Cf. Ilíada, I, 6, 8, 16s. No Teeteto, 176 a-b, PLATÃO escreve: “É preciso elevar-se deste mundo para o alto, o mais rapidamente possível. A fuga de que falamos não é outra coisa do que uma assimilação da natureza divina, quanto nos é possível; assimilação, sobretudo, se se alcança a justiça e a santidade, com o exercício da inteligência”. 

  2. “(…) ammirare nella bellezza che appare il creatore non vuol dire restare attaccati a ciò che appare come tale e lasciarsi affascinare solo da esso; lo implica piuttosto la domanda sul perché di questa Bellezza. Tuttavia, il pensiero interrogante deve ‘passare da questo a Quello’ (…)” (BEIERWALTES, op. cit., p. 89).