Reinholdo Aloysio Ullmann – A Alma – terceira hipóstase
Do poder criador da Inteligência ou Noûs procede a terceira hipóstase – a Alma do Mundo (hen kai polla). Contemplando o Uno, o Noûs gera a Alma do Mundo. Esta, contemplando o Noûs, multiplica-se em todos os entes particulares do mundo sensível, sem dividir-se. A par da Alma do Mundo, existem as almas individuais. Na Alma estão as matrizes (logoi spermatikoi) de todos os entes, semelhando uma coincidentia oppositorum. Por isso, ela é hen kai polla. Dela procedem as almas e todas as formas dos seres sensíveis, ab aeterno, desde a planta até ao homem, tudo constituindo uma admirável harmonia e beleza. Logo, a Alma tem a função de organizar e governar o mundo sensível. A maneira dos estoicos, Plotino professa que tudo forma uma sympatheia ton holon, uma harmonia universal. A ordem do todo não sofre desfiguramento pelo mal: “É absurdo queixar-se das partes, com relação ao todo; as partes devem ser examinadas com relação ao todo, para ver se elas lhe convém e lhe estão ajustadas; é mister ver o conjunto, sem dar importância aos mínimos detalhes”.
Olhar apenas as partes “seria como alguém considerar de um animal inteiro somente um pelo (cabelo) ou um dedo dos pés, ou descurar a totalidade do homem que é um espetáculo divino”.
A fim de preencher sua função organizadora, deve a Alma ter contemplado a organização inteligível no Intelecto (Noûs) transcendente. Se o Noûs é noesis noeseos, a Alma universal, ao contrário, desenvolve o seu pensamento em forma discursiva.
A Alma está em relação com o Intelecto assim como este está em relação com o Uno. Na base de tudo está sempre a contemplação. Por conseguinte, logramos dizer que a Alma é o logos do Intelecto ou seu resplendor – phos ek photos.
Desejoso de explicar as hipóstases, Plotino, uma vez mais, vale-se de comparações: se o Uno é visto como a fonte primigênia da luz, o Intelecto, que vem após ele e que é inteiramente luminoso, pode ser comparado com o sol, e a Alma, que recebe a luz do Intelecto, é comparável à lua. A partir dessa imagem, o licopolitano assevera que a Alma, em permanente inquietude, aspira a algo que lhe falta, a algo transcendente, ou seja, ao Intelecto o qual está plenamente satisfeito consigo, contemplando em si mesmo os inteligíveis. Dessarte, ela se apressa em organizar o universo, voltando-se, pela theoria, à segunda hipóstase.
A Alma representa a terceira e última das hipóstases, o terceiro círculo luminoso além do qual só existe a obscuridade da matéria do mundo sensível.
O significado especulativo da terceira hipóstase cifra-se em ser intermediária ou mediadora entre o mundo inteligível e o mundo sensível, entre o mundo superior e o mundo inferior. Estabelece-se, assim, um vínculo claro entre o Uno e o mundo material. Aqui terminam as hipóstases do mundo inteligível e incorpóreo.