Brun: O problema das influências orientais

A maioria dos Pré-Socráticos é oriunda da Ásia Menor e muitos historiadores pensam que teriam sofrido considerável influência das religiões ou das filosofias orientais. Que pensar disso?

São muito poucos os documentos que permitem refazer a pré-história da Ásia Menor. Sabe-se que os Aqueus, vindos da Ásia por volta do 2.° milênio antes da nossa era, foram povoar a península helênica. Cerca de 1180, perseguidos pelos Dórios, fogem para a Ásia Menor com os Jônios e os Eólios e fundam cidades gregas. Fócida, Clazómenas, Téos, Eritreia, Quíos, Lébedos, Cólofon, Éfeso, Samos, Mionte, Mileto e Esmima são, com Naxos e Lesbos, as cidades principais. Apertadas entre o mar e os Bárbaros, estão sob permanente ameaça dos Medos e mais tarde dos Persas, enquanto os Gregos da Hélade e da Sicília têm de se haver com os Cartagineses. As cidades jônicas estiveram em contacto com a civilização grega, de que provinham, e ainda com povos que, através da guerra ou do comércio, tinham relações com o Oriente. Por essa razão se podia com pertinência levantar o problema de saber se as filosofias pré-socráticas não deveriam o melhor de si a ideias provenientes do Oriente. Pensou-se que tais influências podiam enraizar numa época muito antiga, quando a Grécia recebeu da Ásia os Aqueus, a quem a língua e mitologia gregas deveriam a substância. Por outro lado, das relações dos colonos gregos da Ásia Menor com o Oriente e com os Egípcios teriam surgido a escrita, o cálculo e a astronomia. Digamos de imediato que muitas lendas e interpretações descabeladas correram neste domínio.

Os Orientais procuraram antes de mais fazer acreditar a ideia de que os Gregos lhes deviam tudo. Possuímos sobre o assunto os romances históricos de um sacerdote egípcio do século III d.C., Manéton, que escrevia em grego e para os Gregos, e de um sacerdote caldeu, Berosso, que escrevia para o mesmo público. Os sacerdotes egípcios pretenderam igualmente fazer do Egito o berço da civilização ocidental. No século V a.C., Heródoto afirma, no livro II das Histórias, consagrado ao Egito, que a religião grega proveio do Egito. Ora, Heródoto não sabe ler as inscrições nem os papiros e fia-se na tradição popular, sem se pôr o problema das fontes. Os próprios Gregos exageraram, sobretudo quando começaram a duvidar da sua própria força e esperaram a salvação de uma revelação vinda de algures. A ideia da origem oriental do pensamento grego será muito desenvolvida pelos neopitagóricos e pelos últimos neoplatônicos.

Que pretendem, então, estas tradições tardias e suspeitas? Enumeremos algumas de suas teses. Segundo Plutarco e Jâmblico, Tales de Mileto seria de origem fenícia, teria viajado pela Ásia e recebido as suas ideias dos sacerdotes egípcios. Isócrates fala-nos de viagens de Pitágoras ao Egito e afirma que teria edificado a sua filosofia sobre tradições orientais. Heráclito ter-se-ia inspirado nos Egípcios e nos Persas, mais particularmente em Zoroastro. Segundo Possidônio, os atomistas gregos deveriam tudo a um fenício de nome Mochoss que vivera antes da guerra de Troia. Aristóxenes, autor de uma vida de Sócrates repleta de falsidades, afirma que Sócrates teria recebido a sua doutrina de um viajante indiano que aportara em Atenas. Quanto a Pirro, teria encontrado os gimnosofistas por ocasião de uma viagem às índias. O próprio Platão viu-se qualificado de «Moisés aticizante» por Numênio.

Estas ideias foram retomadas no século XIX, quando, sob a influência do romantismo, o Oriente surgiu como o continente exemplar onde se originara todo o pensamento. Creuzer e Schlegel estudaram as semelhanças e analogias das ideias. Numerosos estudos fantasistas surgiram então, mas o mais ousado foi provavelmente o de Augusto Gladitsch, que, por volta de 1850, relaciona Pitágoras com os Chineses, os Eleatas com os Indianos, Empédocles com os Egípcios, Heráclito com os Persas, Anaxágoras com os Judeus. Os primeiros a reagir contra tais abusos foram dois historiadores alemães da filosofia, Heinrich Ritter e Eduardo Zeller, na primeira metade do século XIX.

No estado actual dos nossos conhecimentos, parece podermos fazer nossas as conclusões prudentes e matizadas de Aram-M. Frenkian, expostas em L’Orient et les origines de l’idéalisme subjectif dans la pensée européenne (t.I, Paris, 1946). Se procurarmos argumentos de críticas externas em favor de uma influência do Oriente no pensamento grego, temos de concluir que não possuímos nenhum. Os testemunhos que possuímos são muito tardios. Aristóteles nunca fala de tais influências nem das pretensas viagens empreendidas pelos primeiros pensadores gregos. Mais ainda, se lermos Platão, que provavelmente foi ao Egito, veremos que ao espírito dos Egípcios e Fenícios, voltado para o proveito e a capacidade técnica, opõe o espírito dos Gregos, inclinado ao saber. Quanto aos argumentos de crítica interna, são altamente suspeitos, porque as aproximações que se operam podem, por certo, traduzir semelhanças de pensamento, sem que por isso se deva concluir tratar-se de verdadeiras influências. Tudo o que pode dizer-se a tal respeito é que as semelhanças no domínio da mitologia derivam provavelmente de uma comum origem pré-histórica indo-europeia; que o alfabeto grego é de origem fenícia e pode aproximar-se do alfabeto dos Hebreus; que a metrologia, a técnica da agrimensura e a medida do tempo, que encontramos entre os Gregos, provieram da Caldeia, bem como certos conhecimentos de astronomia e alguns instrumentos musicais.

Para além destas conclusões, está aberta a porta para o arbitrário e para as deduções incontroláveis.

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