aisthesis (aristotelismo)

19. Aristóteles rejeita a influência atomística e heraclítica na teoria platônica da aisthesis. Posta nos seus termos mais gerais, a aisthesis é a recepção de um eidos sensível sem a sua matéria. Aristóteles pode, como todos os seus predecessores, explicar a sensação em termos físicos e ele fá-lo subsequentemente ao aplicar a doutrina física do «meio». Mas primeiro ele situa todo o problema da cognição nas estruturas já enunciadas na Física e na Metafísica: o ato (energeia) e a potência (dynamis). Percepcionar algo significa duas coisas: ser capaz de percepcionar algo quer se esteja ou não a percepcioná-lo, e o ato propriamente dito de percepcionar a realidade. Por isso, qualquer faculdade sensível da alma, embora possa ser eidos ou ousia do órgão em que opera (tal como a psyche como um todo é a ousia do corpo inteiro; De anima II, 412), é, não obstante, uma capacidade (dynamis) relacionada com o objecto perceptível: é potencialmente (dynamei) o que o objecto é na realidade (entelecheia; ibid. II, 418a). Isto é coerente com o que se disse da relação de energeia/dynamis no passo fulcral sobre este assunto na Metafísica: a energeia é anterior à dynamis (o objeto deve ser vermelho antes do olho «se tornar vermelho»; ver De anima II, 425b) e a energeia termina como atualidade na coisa transformada (a visão está no olho; ibid. III, 426a); ver energeia e Metafísica 1050a.

20. Assim pode descrever-se a sensação como uma alteração (alloiosis) pelo fato de representar a passagem da potência à atualidade de uma das faculdades dos sentidos. Desta maneira também Aristóteles pode resolver o problema do «semelhante conhece semelhante». Anaxágoras tinha razão ao sugerir que «o semelhante conhece dissemelhante» uma vez que, de outro modo, não se podia efetuar a mudança; mas este é apenas o caminho inicial do processo; quando termina, o sujeito tornou-se, tal como o objecto, conhecido (De anima II, 417a-418a).

21. A explicação torna-se um pouco mais clara quando Aristóteles passa a descrever o processo da sensação em termos puramente físicos. Os corpos físicos têm qualidades perceptíveis que os diferenciam; estas são os «opostos» (enantia), quente-frio, úmido-seco, etc. O sujeito que percebe também os possui por ser corpóreo. Mas se é para percepcioná-los noutro, o órgão (organon) apropriado tem de estar num estado de equilíbrio em relação a estes extremos. Aristóteles vê a capacidade de percepcionar como uma espécie de meio ou estado proporcional (mesotes, logos) entre estes opostos extremos de tal modo que ela não é «realmente nenhum, mas é potencialmente ambos» (ibid. II, 423b-424a). Para a distinção de Aristóteles entre sensação e pensamento ver noesis; sobre o problema de um meio (metaxu) para a sensação, ver sympatheia.

22. Aristóteles sente dificuldades ao querer distinguir o simples contato da sensação do tacto. As plantas vivem e por isso têm uma alma nutritiva (threptike psyche); i. é, são afetadas pelas coisas; absorvem a forma bem como a matéria das coisas que não elas próprias. Mas não percepcionam como os animais: a função da aisthetike psyche, a ousia distintiva dos animais, é receber a forma das coisas sensíveis sem a matéria (ibid. III, 424a-b) e assim estar sujeita aos consequentes pathe do apetite (orexis), prazer (hedone), e dor (ibid. II, 414b). Esta distinção desaparece em Epicuro; um eidos sem hyle foi e continua a ser impensável na tradição atomista. A sensação é de novo reduzida ao contato e as diferentes sensações explicadas em termos de forma, organização e movimento dos atoma (ver Lucrécio II, 381-477, especialmente 434-435). Onde o contato não é imediato, como na visão, a teoria das emanações é de novo invocada: os corpos emitem contornos de si próprios na forma dos eidola (os simulacro, de Lucrécio IV, 49-50) que, se o olho estiver para eles voltado, imprimem nele a sua configuração e desencadeiam a sensação (D. L., X,46-50).