anánkê: necessidade
1. O uso pré-socrático da ananke não é uniforme; em Parmênides (Diels, frg. 28A37) ela governa todas as coisas de uma maneira quase providencial, de um modo que não difere muito da sua personificação no «Mito de Er» na Republica 614c-621d, de Platão e da figura órfica em Empédocles (Diels, frg. 115). Mas com os atomistas (ver D. L. IX, 45; Diels, frg. 67B2) entramos no campo da necessidade mecânica das causas puramente físicas que operam sem finalidade (telos).
2. Para Sócrates e Platão a verdadeira causalidade opera sempre com um fim, enquanto as operações dos elementos físicos são apenas condições ou «causas acessórias» (synaitia) (ver Fédon 99b, Timeu 46c). Contudo também a ananke tem o seu papel na formação do kosmos; a razão (noûs = Demiourgos) vence a necessidade física (Timeu 47e-48a). A necessidade, a quase-causa, só é digna de estudar-se pela sua relação com o noûs, a causa divina (theion).
3. Em Aristóteles a ananke tem significados diversos (ver Metafísica 1015a-c), mas, como em Platão, a necessidade física na matéria tem de submeter-se não tanto ao noûs como à finalidade (telos) na nova compreensão que ele tem da physis (Physica II, 200a). Também devia ser notado o papel da ananke no raciocínio silogísitico: a conclusão de um silogismo válido decorre necessariamente das premissas (Anal. pr. I, 24b).
Para a necessidade num sentido providencial ver heimarmene, pronoia. [Termos Filosóficos Gregos, F. E. Peters]
anánke (he): necessidade. Latim: necessitas.
Primitivamente: “decreto inexorável dos deuses” (Empédocles, fr. 125 e 126).
Empregado depois em sentido filosófico (Platão, Aristóteles, Epicuro, estoicos).
Aristóteles dedica uma nota à anánke em seu léxico filosófico, (Met., A, 5) na forma do qualificativo neutro anankaion: o necessário. E dá cinco sentidos:
– Condição (synaítion / synaition). Ex.: alimento para o ser vivo, que não pode subsistir sem ele.
– Coerção (bía / bia).
– Impossibilidade de ser de outro modo: é a mãe das necessidades.
– Necessidade lógica, extraída da demonstração; é apódeixis / apodeixis.
– Necessidade metafísica. Aristóteles diz: o simples (tò haploûn / to haploun).
De fato, está ligado aos seres eternos e “imóveis” (ou seja, sem mudanças). Encontra-se, aliás, essa necessidade na oposição entre o ser necessário, sempre semelhante, e o ser por acidente, fadado à mudança (Met., E, 2). O mesmo ocorre para encontrar a existência do primeiro Motor; tudo é movido por outro, e não por si mesmo; ora, do movido ao motor (do efeito à causa), não se pode remontar infinitamente; “é, pois, necessário parar”. É o famoso anánke hístasthai (Fís., VIII, 5).
Platão, como de hábito, não apresenta uma exposição didática sobre esse termo. Emprega-o nos sentidos mais diversos: de destino, para a sorte das almas (Fédon, 86c); de inclinação entre os sexos (Rep., V, 458d); de coerção política (Rep., V, 519e); de determinismo cósmico (Fédon, 97e; Pol, 269d; Timeu, 46e); de necessidade metafísica (Fédon, 76 d-e; Fedro, 246a; Timeu, 42a). Aristóteles distingue a necessidade matemática (a soma dos ângulos do triângulo é igual a dois ângulos retos), que é de ordem racional, e a necessidade física, que é de ordem sensível (Fís., II, 9).
Os estoicos utilizam abundantemente a noção de anánke, pois, em seu sistema, tudo é necessário; e a necessidade é ao mesmo tempo metafísica e cósmica, pois, como Deus é ao mesmo tempo o mundo, a necessidade de sua existência pertence às duas ordens. “Tudo o que ocorre — escreve Marco Aurélio — é necessário (II, 3).”A Inteligência universal tomou uma única decisão, e tudo decorre dela por via de consequência (V, 10;VI, 9; VIII, 5; IX, 28). Sábio é “aquele que tem a virtude de se submeter à necessidade” (Epicteto, Manual, LIII, 2).
Epicuro construiu sua sabedoria com base na distinção dos prazeres: uns são naturais e necessários; outros naturais, mas não necessários; outros não são naturais nem necessários (Máximas, 29). [Gobry]