Para o daimon de Empédocles, o mundo é uma caverna: já acenamos para a novidade da cifra, na codificação filosófica do mistério do horizonte. Mas a Caverna passa por ser o mais notável e a mais notada «ilustração» da gnosiologia platônica. Já lemos copiosas páginas (por exemplo, Zepf; cf. A. J. Festugière, LA RÉVÉLATION D’HERMES TRISMÉGISTE, vol. II, «LE DIEU COSMIQUE», Paris, 1949, com muitos textos e bibliografia) deduzindo de uma caverna que Platão situou na Terra, entre tantas outras que na Terra existem, a caverna que é o mundo; porém, nenhuma que nos deixasse entrever que, este, é uma inversão do processo, mediante o qual Platão constrói a sua famosa alegoria. Mas, falemos primeiro das coisas primeiras. E, no caso, primeira é, sem dúvida, a ambiguidade das emoções que a caverna natural despertou no homem, desde as mais remotas eras. Quem as não sentiu, pode imaginá-las: o grato conforto de abrigar-se das intempéries e resguardar-se de todos os perigos de um exterior adverso, e o inquietante imergir-se nas obscuras, profundas e labirínticas entranhas da Terra. Daí que por dezenas, se não centenas, de milhares de anos, a caverna tenha sido habitação, nas penumbrosas imediações da entrada, e santuário, nos seus mais tenebrosos recônditos. Escusaríamos de repetir o que toda a gente já sabe: a chamada «arte» do paleolítico franco-cantábrico é glorioso vestígio de renovada celebração do drama-ritual da primeira caçada — drama em que, muito provavelmente, os protagonistas não eram os homens. Tão fascinante é o mistério da caverna, que, nos santuários urbanos de Çatal Hüyük, já em princípios do Neolítico, ainda ela está presente pelos nichos cavados nas paredes espessas e pelos pedaços de estalactites e estalagmites, trazidos dos antros sagrados da cordilheira do Taurus (cf., do autor, Dioniso em Creta, pp. 32 e segs.). Se o mundo, então, ainda não se representa, todo ele, pela caverna, habitação dos homens e sacrário dos deuses, pelo menos é de supor que a densa e intensa sacralização a institui como centro de um horizonte que, a poucos passos, se converterá no próprio Horizonte. Em área mediterrânea e território grego, no período micênico, o que resta do «Tesouro de Atreu», a mais famosa «emergência arquitetônica» das cavernas naturais, deixa facilmente perceber que o pavimento circular representava a Terra, posto que o recôncavo da falsa abóboda, com suas rosetas (estrelas) de bronze, figurava o Céu: a caverna é o mundo e o mundo é uma caverna. A arquitetura grega não prosseguirá por este caminho; enceta outro, que terminará, nos nossos dias, por rasgar as paredes de alto a baixo e abri-las de par em par, substituindo-as, até, pela transparência do vidro: é mais um sinal daquela tendência para perder-se de um centro e, por conseguinte, de um horizonte, que caracteriza o homem moderno (v. supra § 31). Reincidindo no tema: dizer que a arquitetura dos thóloi imita a arquitetura do universo, como provavelmente é o caso do «Tesouro de Atreu» e, certamente, será o do Phanteon romano, equivale a dizer que esta é o modelo, e aquela a cópia. Desde quando se teria visto o mundo como uma caverna? Em todo o caso, no século v a. C., Empédocles di-lo por poucas mas inequívocas palavras. Uma caverna só pode representar o mundo, desde que, antes, o mundo se represente como caverna. A de Platão não foge à «regra». Vamos reexaminá-la, mas sem esquecer que ela é a última imagem de um tríptico: o «Sol», a «Linha Segmentada» e a «Caverna» configuram outro caso de uma unidade interna de composição de três partes num todo, ou da unidade de um todo que se decompõe em três partes (v. República, pp. 504 D, 517 C).
Empédocles: Daimon
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