genesis

génesis.- nascimento, passagem ao ser, tornar-se (oposto a ser), processo, passagem a um contrário, mudança substancial



1. Mesmo no seu uso mais antigo (II. XIV, 201, 246) a genesis é algo mais do que um processo biológico e os dois significados de «nascimento» e «início no ser» estão interligados nos textos pré-socráticos. A presença da palavra no fragmento existente de Anaximandro tem sido atribuída pela maioria à linguagem do sumariador peripatético do texto (Teofrasto via Simplício, Physica 24, 17), mas quer a expressão quer a ideia são inequívocas em Xenófanes (frgs. 29, 30) e Heráclito (frgs. 3, 36) ao falarem do «nascimento» e «morte» dos corpos físicos.

2. Os pré-socráticos estavam profundamente interessados na mudança. Tendo-se decidido por um ou uma série de princípios elementares (ver arche), ambos corpos naturais, como a água ou o ar, ou versões substantivadas daquilo que se julgava serem «poderes» mas deviam ser mais tarde considerados qualidades (ver dynamis, pathos, poion), v. g. o quente, o seco, etc, discutiram o mecanismo através do qual um podia tornar-se o outro. Isto é o que Aristóteles havia de chamar mais tarde «devir absoluto» (genesis haphe), mudança na categoria da substância oposta às várias mudanças (metabolai) nas categorias do acidente (De gen. et corr. I, 319b-320a). Assim, em Anaxímenes que postulou o aer como a sua arche, os corpos simples nascem da condensação e rarefação do aer (Simplício, Physica 24-26), enquanto que para Anaximandro, cuja arche é uma substância indefinida (apeiron), a genesis dos perceptíveis envolve um certo processo de separação (Aristóteles, Physica I, 187a).

3. Em todos estes pensadores, para quem a vida e o movimento são inerentes às coisas, há uma insistência na mudança — Heráclito é apenas a voz mais sonora de um coro — e no fato nitidamente perceptível de que um corpo se transforma noutro. A prova mais eloquente disto é o fato de que para negar a mudança Parmênides teve de negar a percepção.

4. Mas Parmênides não hesitou em negar as duas e, a partir daí a genesis, que tinha sido um dado dos sentidos, torna-se um problema. Parmênides nega explicitamente a possibilidade de qualquer tipo de mudança dado que vir-a-ser em qualquer dos seus modos implica a proposição, logicamente indefensável, da passagem do não-ser ao ser e nada pode vir do não-ser (frg. 8, versos 19-21; confrontar versos 38-41 que pareceriam implicar o uso técnico pré-parmenidiano da genesis; ver on).

5. Daí a «Via da Verdade» de Parmênides; os seus sucessores, contudo, parecem ter recebido a sugestão da «Via da Aparência». Ao abandonarem o estreito monismo de Parmênides e ao voltarem-se para a doutrina mais antiga dos «opostos» (enantia), tanto Empédocles como Anaxágoras foram capazes de restaurar pelo menos uma genesis secundária em termos da interação destas qualidades ou elementos (stoicheia) opostos. O simples passar-a-ser (i. é, a partir do não-ser) ainda é impensável, mas recorrendo a vários graus de mistura (krasis) e associação (synkrisis) os corpos compostos podiam passar a ser (Empédocles, frg. 9; Anaxágoras, frg. 17; ver o resumo aristotélico na Physica I, 187a; ver stoicheion).

6. O caso de Anaxágoras é bastante complexo. A princípio está interessado em observar a proibição de Parmênides contra a genesis absoluta. Nada pode proceder do nada e, assim, tudo o que parece tornar-se algo mais tem de ter sido esse algo mais para começar, ou, como o próprio Anaxágoras põe a questão, «todas as coisas têm uma parte de tudo» (frg. 12; in frg. 11 ele exclui o nous que é externo ao sistema; para as razões, ver kinesis, kinoun); e daí se segue (frg. 17) que não há coisas tais como genesis ou phthora mas apenas agregação (synkrisis) e separação (apokrisis), i. e., pela configuração da matéria preexistente. A genesis, compreendida como Anaxágoras a compreendeu, começa então a partir de uma mistura (meigma) primordial, cujos ingredientes são imperceptíveis (excepto talvez o ar e o fogo, que já começaram a predominar nesta massa não homogênea) e são infinitos em número (frg. 1). Nela estavam as várias dynameis dos Milésios, como o quente e o frio, o húmido e o seco, etc, bem como os stoicheia de Empédocles e os corpos naturais compósitos, e o que Anaxágoras chama «sementes» (spermata) (frg. 4).

7. Estas últimas são os verdadeiros stoicheia de Anaxágoras (Aristóteles, De coelo III, 302a; ver stoicheion) e, tal como a própria meigma original, contêm porções de tudo. A mistura original existia sem movimento, firmemente paralisada num abraço de morte parmenidiano. Como em Empédocles a kinesis vem do exterior, fornecida pelo nous que faz com que a mistura rode. A velocidade da rotação efetua a separação (apokrisis) das «sementes» (frg. 12) que são qualitativamente diferentes (ver frg. 4 e pathos). Pela agregação (synkrisis) estas são incluídas nos corpos compostos nos quais predominam um ou outro dos tipos de «semente» (ver frg. 12 e Aristóteles, Physica I, 187a).

8. Os atomistas, ao eliminarem as dynameis, simplificaram consideravelmente a operação (embora eles tivessem assinalado dificuldades em «poupar os fenômenos»; ver pathos, stoicheion). Os atoma entram em colisão pelo seu movimento interno (ver kinesis) e é por este contato (haphe) que são formados os corpos compósitos superiores. Alguns atoma saltam de regresso ao vazio; outros, porque são «apanhados» ou atraídos, reúnem-se e, como resultam colisões ulteriores, são produzidos os corpos perceptíveis (Simplício, De coelo 295, 11). Esta é a versão que os atomistas dão da composição dos corpos por associação (synkrisis) e ela reaparece numa forma mais sofisticada, no epicurismo (D. L. X, 43; Lucrécio II, 85-111). Há aqui uma tentativa de explicar os três estados da matéria em termos de densidade expressa na distância entre os átomos na «associação», com o aperfeiçoamento adicional de que certos corpos (v. g. líquidos) resultam da inclusão de um tipo de átomo dentro de um invólucro (stegazon) composto por outro tipo, explicação que também se aplica ao encerramento da alma dentro do corpo (D. L. X, 65, 66; ver holon 9).