hen (Gobry)

hén (tó) / hen, o Uno. Latim: Unum.

Esse termo é o neutro do adjetivo numeral heis / heis (feminino mia / mia). Substantivado, pode ter dois sentidos:

– o Único, a Realidade que se apodera do ser e não tolera outra;

– o Todo (pân, hólon), a Realidade que reúne tudo em si. Para Aristóteles, a palavra hén teria quatro sentidos: contínuo, unidade-forma, unidade-indivíduo, unidade-universalidade (Met., I [iota], 1).

Encontram-se nesses quatro sentidos quatro noções:

– O contínuo = noção geométrica (a unidade da linha opõe-se à descontinuidade do número).

– Unidade-forma = noção biológica (organismo) ou cosmológica (o mundo). Um conjunto solidário regido por leis: physis.

– Unidade-indivíduo = noção aritmética (a unidade é o princípio do número; continua idêntica a si mesmo dentro do número, ao mesmo tempo que se multiplica).

– Unidade-universalidade = noção realmente filosófica, embora seja a noção científica por excelência (universalidade dos conceitos, das relações, das leis).

Esses sentidos, porém, têm um significado filosófico:

– O contínuo corresponde ao Uno no sentido de Único, que não admite duplicação nem fracionamento (Parmênides).

— O Uno-forma é a unidade unificante, que recapitula o diverso (Heráclito, os estoicos). Em lógica, é o gênero que contém as espécies.

— A Unidade-indivíduo é o individual em oposição ao geral: a unidade opõe-se quantitativamente à multiplicidade e qualitativamente à diversidade. E, sobretudo, o Primeiro existente, que engendra os outros (Pitágoras, Plotino).

— O Uno universal é o transcendental (no sentido escolástico): a presença do Ser em todos os seres, que lhes permite ser.

O sentido filosófico da palavra evoluiu ao longo dos séculos.

Sentido cósmico: Para os jônios, o Uno é o elemento originário do mundo, que, na verdade, reúne os dois sentidos primeiros: em primeiro lugar, o único, matéria plena; em segundo lugar, o Todo, saído dela. Foi assim que Museu1, autor mais ou menos mítico, escreveu que tudo nasce do Uno (ex henós) e retorna ao Uno (D.L., fr. 39). Assim também Tales declara que o mundo é uno (Aécio, II, I, 2); Anaxágoras, que o mundo é uno e indivisível (fr. 8); Heráclito, mais preocupado com a sabedoria do que com a ciência, diz que essa sabedoria consiste em reconhecer que o Todo é uno (fr. 50), e que a lei é obedecer à vontade do Uno (fr. 33). Empédocles, que segue os passos dos jônios, diz mais ou menos a mesma coisa que Museu: o Uno nasce do múltiplo, e o múltiplo do Uno (fr. 26, 8-9). Aristóteles sanciona as diversas fontes: segundo alguns — explica ele — tudo teria saído do Uno (ek toû henós); e cita Anaximandro, Anaxágoras e Empédocles (Fís., I, 4); em outro lugar, relata que para alguém o Uno é a Amizade; para outro, o Ar; para outro ainda, até o Indeterminado (Met., I [iota], 2). Seria menção a Empédocles, Anaxímenes e Anaximandro. Por sua vez, Xenofonte, falando do desinteresse de Sócrates por essa espécie de problema, diz: “Alguns ensinam que o Ser é uno; outros, que é de uma multiplicidade incalculável” (Mem., 1,1,14).

Sentido metafísico. Aparece com Pitágoras. Para este, a Mônada (Monas), Deus, o Bem e o Uno são termos intercambiáveis (Aécio, I,VII, 18). O mesmo ocorre com seus discípulos metafísicos. “Arquitas e Filolau chamam, indiferentemente, o Uno de Mônada, e a Mônada de Uno” (Téon de Esmirna, Ciências matemáticas, XX, 19). Segundo Filolau, existe “um Reitor e Mestre de todas as coisas, que é Deus e o Uno” (Fílon de Alexandria, Criação do mundo, 23).

Com Parmênides, o Uno já não é Princípio e Fonte dos seres, mas o Único, o Ser que não tolera outro. Era ele sem dúvida um itálico, pois ensinava em Eleia, mas, assim como Pitágoras (mestre de Crotona e Metaponto) era nativo de Samos na Jônia, Parmênides nasceu em Foceia, na Jônia, no ano 540, cinco anos antes da fundação de Eleia pelos foceenses. Seu raciocínio é simples: o Ser, sendo eternamente o mesmo, é perfeito e imutável; portanto, não pode ser Princípio, pois o fato de dar o ser a outros o privaria da totalidade do Ser. Esse Uno é puramente inteligível, pois somente a via da razão pode encontrá-lo, visto que os sentidos só conhecem o múltiplo (fr. II,VI, 4;VIII, 20); uma de suas características é a continuidade, totalmente metafísica, o que significa que não existe falha nele, o que introduziria a imperfeição e a multiplicidade (fr.VIII, 5-6). Essa doutrina é compartilhada por Melisso: se o Ser não fosse Uno, seria limitado (Simplício, l:ís., 110, 5; De caelo, 555, 14).

O caso de Xenófanes é mais difícil; cronologicamente intermediário entre Pitágoras e Parmênides, é considerado discípulo do primeiro e mestre do segundo, o que se deve tomar em sentido bastante amplo. O Uno, que ele identifica com Deus, é inteiramente espiritual; mas é transcendente ou imanente ao mundo? Aquilo que se chama Uno é simplesmente o único ser espiritual, ou o Todo cuja alma é Deus? v. theós / theos: Deus.

Depois de Sócrates. Platão, partidário da existência do múltiplo, admite facilmente que o Ser é o Uno, com a diferença de que o Uno de Parmênides é o Único, ao passo que o de Platão é o Universal, o que faz a unidade do Uno e do múltiplo. Essa é a posição defendida com sutileza em Parmênides, no qual Platão, mostrando que a Realidade absoluta e originária reside nas Essências eternas (v. eidos), prova pelo absurdo a inconsistência da tese parmenidiana.

Aristóteles, segundo seu método habitual, começa instruindo o processo de seus predecessores, primeiramente na Física (1,2-5), protestando que o exame do problema metafísico do Uno não é da alçada da ciência física (I, 2,184b); em seguida, na Metafísica (A, 3, 5, 8). É então que ele dedica ao conceito do Uno uma longa nota (Met., A, 6): diz-se que o Uno é por acidente (katà symbebekós) – Corisco e músico são um só -, ou por essência (kath’hautó: “em si”); encontram-se então vários tipos de uno: o contínuo no corpo, a unidade física (água, vinho), a indivisibilidade substancial (uma coisa definida como tal). Depois, lembrando que o Uno e o Ser (v. ón) são idênticos e os mais universais de todos os predicados, constata que nenhum dos dois é substância (v. ousía) (ibid., Z, 16); e, depois de examinar os diferentes sentidos de Uno, considera a oposição entre Uno e múltiplo (pollá / polla, pl. neutro de eoà.úç, numerosos), entre indivisível e divisível, entre o mesmo e o outro, entre o semelhante e o dessemelhante (ibid., I [iota], 3-6). Essas discussões se encontram no livro N, capítulos 1-6.

Os estoicos não costumam utilizar o termo hén; preferem pân, o Todo. Marco Aurélio escreve, incidentemente, que “o mundo é uno (heis) constituído pelo Todo, que Deus é Uno formado de tudo, que a substância é lei única, razão única e comum, verdade única […]” (VII, 9).

Plotino, retomando o princípio pitagórico, atribui ao Uno toda a sua importância metafísica. Dedica-lhe os três últimos tratados da VI Enéada: Do Bem, Da liberdade e da vontade do Uno, Do Bem ou do Uno, bem como o primeiro da V Enéada: As três hipóstases primitivas. O Uno é a primeira Hipóstase, primeiro Princípio, Deus, eterno e perfeito; é pensamento de si mesmo, livre querer, embora só podendo aquilo que participe de sua perfeição. “O Uno é perfeito porque nada busca, nada possui e de nada necessita. Sendo perfeito, superabunda, e essa superabundância produz outro, que não é ele” (V, II, 1). Mas o Uno não tem determinação, pois não é nenhuma das realidades que dele recebem existência; essa é sua absoluta transcendência, o que o torna inefável. A hipóstase que dele procede imediatamente é o Espírito (noûs).

Proclos segue Plotino: todos os seres procedem do Uno, e o Uno é idêntico ao Bem (Teologia, 1-13).

1. Era considerado ateniense, mas está fortemente impregnado do pensamento jõnio, o que mostra ser ele mais tardio do que desejaria a lenda, que diz ser ele contemporâneo de Orfeu.

2. Porfírio, em sua edição da obra de Plotino, atribuiu a esses tratados os três últimos lugares (52, 53, 54); na realidade, são cronologicamente os números 38, 39 e 9. [Gobry]