Plotino: uno-e-múltiplo

Ao Uno não se lhe nega a perfeição encontrada nos outros seres. Se estes existem, é por ser o Uno o princípio1 deles. Por conseguinte, necessariamente lhes é superior. A existência deles dá-se por participação (Cf. En. V, 5, 4), ou seja, foram feitos. Tendo sido feitos, eles não se identificam com quem os fez2. Isso significa que no Uno as criaturas se encontram eminenter3. Por outra, “a causa não é a mesma coisa que o causado” (En. VI, 9, 6, 54-55); “a causa de todas as coisas não é nada delas (oudén esti ekeínôn)” (En. VI. 9, 6, 56 ). “O Uno não pode ser uma das coisas às quais ele é anterior” (En. V, 3, 11, 19 ).

Por ser a archê de tudo, o Uno é mais perfeito e melhor que seus efeitos: “O criador (poioün) é melhor do que as coisas criadas, porque é mais perfeito (teleióteron)” (En. V, 5,13, 38 ).

Por essas indicações, que se poderiam multiplicar, já percebemos, com clareza, a distinção do Uno e do múltiplo e, ao mesmo tempo, a origem do múltiplo a partir do Uno. Excertos de “Plotino, um estudo das Enéadas”, de R.A. Ullmann


  1. Princípio, para o licopolitano, não se reverte de sentido lógico aristotélico, mas tem significação ontológica, porque o Uno gera o que vem depois dele, não-movido por cego instinto, mas porque é plenitude transbordante. 

  2. O Uno é “diverso de tudo”- pántôn héteron (En. V, 4, 1, 6); “Ele é só e desprovido das demais coisas” – mónon kai êremon tôn állôn estí (En. V, 5, 13, 6); “Ele é para além do Ser”- epékeina toú óntos (En. VI, 6, 5, 38); “Ele é o primeiro e acima do ser” – prôtôs autòs kai hyperóntôs autós (En. VI, 8, 14, 43). À saciedade comprovam esses textos que Plotino confere um lugar de destaque ao Uno, acima das demais realidades. 

  3. “Since the One is the cause of the being of everything else, they are in the One. How? Virtually or eminently, and not in the manner in which they exist as finite beings” (GERSON, L. P., God and Greek Philosophy (London and New York, 1994), p. 208). Claras são a esse respeito as palavras de Plotino: “Mas como o Uno é princípio de todas as coisas? (…) Porque as possuía já. (…) Sim, já as possuía, mas não-distintas. Distintas são apenas no segundo momento, no Lógos, onde já estão em ato. O Uno somente é a potência de tudo” (En. V, 3, 15, 28-33). Cf. etiam En. VI, 7, 32, 13-15; En. VI, 8, 21, 24-25