kathársis: purgação, purificação, catarse
1. katharsis, palavra com implicações religiosas e médicas, parece flutuar entre funções afirmativas e negativas nas mãos dos filósofos. Entre os pitagóricos a katharsis tinha, como era de esperar, fortes conotações religiosas. A katharsis é uma purificação da alma, efetuada, dizem-nos (Jamblico, Vita Pyth. 110), através da mousike, i. e., tornando-a harmoniosa; na verdade, isto é filosofia (ibid. 137). Esta identificação pitagórica da katharsis com a philosophia encontra-se em Platão (ver Fédon 67a-d), e a analogia com a música atravessa os diálogos. No Fédon 61a Sócrates equaciona a filosofia e a música e na República (43le, 432a, 433d) a música é a base da virtude maior sophrosyne. Diz-se ainda, no Tim. 90d, que a preocupação da alma consiste em pôr as suas modulações em harmonia com a ordem cósmica (ver ouranos).
2. Mas quando Sócrates nos informa, no Soph. 226a ss., que a sua arte é «catártica», passamos para outras bases onde a função da katharsis é descrita como «a remoção do mal da alma» (ibid. 227d), tal como a arte médica faz ao corpo. Aqui o problema não é visto como uma espécie de desequilíbrio (ver hedone) que pode ser corrigido pela harmonização, mas como a presença de algo essencialmente alheio ao sistema. Os homens da medicina estão familiarizados com este tipo de purgação (Crát. 405a), e pode ser alargado, por analogia ao mau uso que os tiranos exercem sobre o estado (Rep. 567c). Sócrates efetua a sua katharsis da alma por meio da interrogação (elenchos), o mais possível purificadora, que limpa a alma das falsas opiniões (Soph. 230d).
3. Aristóteles aplica a teoria à música (Pol. 1341b-1342a): alguma música é educativa, provavelmente o tipo «harmonizante» da tradição pitagórica; mas há também música «catártica» no sentido médico e purgativo. Este segundo tipo tem o seu efeito pelo princípio homeopático de causar exatamente o mesmo efeito que se procura curar. Platão sabe desta prática (ver Rep. 560d, Leis 790c-791b), e como é evidente por estes passos em Platão e Aristóteles, ambos estavam conscientes de que o princípio homeopático enunciado pelos médicos já tinha sido alargado à cura de certos estados psíquicos, muito particularmente o estado de possessão religioso ou enthousiasmos (ver mantike). Aristóteles deu o passo seguinte e incorporou-o na sua teoria da arte, com o resultado bem conhecido de a tragédia ser definida em termos da efetuação de uma katharsis /purgação homeopática dos pathe da piedade e do medo (Poet. 1449b).
4. Plotino discute a relação da katharsis com a arete nas Enn. I, 2, 4; com Platão faz da katharsis uma condição necessária para a assimilação a Deus (ibid. I, 6, 6; ver homoiosis). [F.E. Peters]
kátharsis (he) / katharsis: purificação.
De katharós: puro. Método progressivo de desapego dos sentidos para viver segundo o pensamento. Já era uma preocupação dos órficos, adotada pelos pitagóricos; Empédocles escreveu um livro das Purificações (katharmoí), no qual reproduz textualmente um verso de Pitágoras (Palavras de ouro, 71). Em Platão, a kátharsis é um longo exercício de ascese para livrar-se do corpo, exigência da filosofia (Fédon, 67c). [Gobry]