12. Tudo isto é, porém, a genesis pré-cósmica, a situação «antes que ouranos se formasse» (Tim 52d). As qualidades, juntamente com os seus «poderes» associados (dynameis; ver pathos, paschein), andam à deriva no Receptáculo de maneira caótica (ibid. 52d-53a). Mas então o noûs começa a sua ação e põe ordem no caos ao transformar as qualidades primárias da terra, ar, fogo e água nos quatro corpos primários do mundo sensível (ibid. 53c), pela identificação de cada um dos «elementos» com um dos sólidos geométricos primários susceptível de ser inscrito numa esfera (ver stoicheion). Esta parece-se com uma versão pitagórica do atomismo. Aristóteles detetou os paralelismos atomistas (De gen. et. corr. I, 325b; ver aistheisis), mas o pitagorismo é igualmente claro quando vemos que os sólidos geométricos são, por sua vez, reduzíveis a planos, com a diferente sugestão de que o processo de redução remete para linhas, pontes (Tim 53d; ver Leis X, 894a), e mesmo para além disso, para os reinos sombrios das archai pitagóricas (ver arche, arithmos, e as referências relacionadas).
13. Aristóteles tem pouco apreço pelas archai pitagóricas quer na sua forma geométrica do Timeu quer nas suas variedades mais aritméticas, e critica a versão platônica (De gen. et corr. I, 315a-316b); mas é obviamente mais atraído pela genesis pré-cósmica de Platão e a sua própria análise reflete isso. É convicção de Aristóteles que as teses de Parmênides sobre o não-ser tinham afastado os seus sucessores do problema da verdadeira genesis pela redução de todo o devir tanto à mudança qualitativa (alloiosis) como à mera variação em torno dos componentes (Physica I, 187a; De gen. et corr. I, 1-2). A sua própria argumentação é reafirmar com firmeza o papel dos stoicheia como os supremos corpos irredutíveis dos quais todas as coisas são feitas e insistia, pela prova dos sentidos, que os stoicheia se transformam uns nos outros num ciclo interminável (De gen. et. corr. II, 331a, 337a; ver energeia). Isto é, em resumo, a genesis, O nó parmenidiano é cortado por uma explicação da natureza particular do não-ser envolvido na genesis; não é o não-ser absoluto mas um tipo relativo que Aristóteles identifica como «privação» (steresis).
Isto fornece a pedra final no «puzzle» do devir. A genesis é possível porque os stoicheia têm as suas próprias archai, a saber, um substrato (hypokeimenon) material, indefinido, comum a todas elas, conjuntos de qualidades imanentes e perceptíveis, e a steresis das qualidades opostas (enantion). A genesis é assim definida como «passagem ao enantion» (Physica I, 190a-192a; De gen. et corr. 324a, 328b-331a).
14. Aristóteles refuta a associação pós-parmenidiana (synkrisis) como a genuína genesis (De gen. et corr. I, 317a) e, embora conceda que a mixis desempenha um papel, este não está na genesis, num stoicheion tornando-se outro, mas na formação da geração seguinte de corpos, os syntheta ou corpos compósitos (ibid. II, 334b-335a).
15. A genesis é pois afirmada, definida e destacada das várias outras mudanças (metabolai) que ocorrem nas substâncias-no-ser: locomoção, alteração, crescimento. Mas entre todos estes tipos de mudança a kinesis (mais propriamente, phora) tem precedência até mesmo em relação à genesis (Physica VIII, 260b-261a; confrontar o agrupamento de Platão nas Leis X, 894b-c e ver kinesis), assim deve haver uma kinesis contínua para assegurar o ciclo eterno da genesis: este é o movimento do Sol em torno da eclíptica (De gen. et corr. II, 336a-b; confrontar República Rep:509|509; o Sol é, evidentemente, um motor movido; o argumento conduzirá eventualmente à causa primária, o motor imóvel; ver kinoun, noûs). A genesis está, por seu turno, encerrada em conjuntos de qualidades opostas que são ativas (poien) e passivas (paschein).
16. Epicuro, como produto fiel dos atomistas, não tem genesis genuína (ver kinesis), mas os estoicos parecem seguir mais de perto o padrão aristotélico. Eles ampliam, é bem verdade, a ação e a paixão, que em Aristóteles são caraterísticas das qualidades inerentes aos stoicheia, aprofundando-as até à natureza das coisas ao associarem a primeira com o logos e a última com a hyle, os dois co-príncípios estoicos da realidade (SVF, I, 84, 493), mas prosseguem de uma maneira um tanto ou quanto mais tradicional ao afirmarem os quatro corpos físicos básicos ou stoicheia, dois dos quais são ativos (ar e fogo), e dois passivos (terra e água) (SVF II, 418).
17. Mas também houve alterações. O fogo é agora o quente (D. L. VII, 136), não, como em Aristóteles, um conjunto de qualidades, a saber, quente e seco (De gen. et corr. II, 331a). Além disso, desde que os estoicos deram primazia ao fogo (ver pyr), este é o primeiro elemento e, em certa medida, uma espécie de Urstoff; os outros derivam dele por um processo não diferente da condensação/rarefação de Anaxímenes (D. L. VII, 142) e regressam a ele na conflagração (ekpyrosis) periódica.
18. Surgem outras dificuldades. A despeito dos arrebiques aristotélicos, os estoicos são compelidos, pela redução de tudo, incluindo as qualidades perceptíveis, ao corpo (ver poion), a explicar a mudança de uma maneira não radicalmente diferente dos atomistas. Contudo eles afastaram-se dos «laços» dos átomos, e voltaram-se para uma teoria da interpenetrabilidade dos corpos que assenta na distinção dos vários tipos de misturas e particularmente as variedades chamadas mixis (para corpos secos) e krasis (para os úmidos) onde os dois ingredientes da mistura se interpenetram completamente sem, ao mesmo tempo, perderem as suas caraterísticas próprias, teoria essa usada para explicar também a relação da alma e do corpo (SVF II, 467, 471), e fortemente atacada tanto pelos peripatéticos posteriores como por Plotino (ver Enéadas II, 7, 1, e SVF II, 473).
Para a noção complementar de passar-para-fora-do-ser, ver phthora; para a genesis como processo e o seu gerar uma teoria ética, hedone. [Termos Filosóficos Gregos, F. E. Peters]