9. Que a genesis se tornara o problema central da filosofia pós-parmenidiana é evidente pelas observações de Sócrates no Fédon Fedon:96a|96a, problema que, como o mesmo passo indica, estava a ser tratado em termos de uma procura pelas causas (aitia) e intrigara o jovem Sócrates. Para o próprio Platão a genesis é um problema um tanto secundário à luz da distinção que ele faz entre os eide; o reino do verdadeiro ser (ontos on), e este mundo sensível que é caraterizado pelo devir (Timeu Tim:27d|27d-28a). Assim o ser é o único sujeito para o conhecimento verdadeiro (episteme), enquanto a genesis não pode fornecer nada melhor do que a opinião (doxa), o «relato provável» do Timeu.
10. Mas tendo deste modo liquidado a sua dívida para com Parmênides, Platão desvia, de vez em quando, a sua atenção para a genesis: uma vez no contexto da tentativa de elucidar a sua teoria da participação (methexis) no Fédon, e, outra, no seu relato do kosmos aisthetos no Timeu. A primeira, no Fédon Fedon:102b|102b-105b, que é imensamente interessante por ser a precursora da própria teoria aristotélica da genesis, assenta numa premissa que não e geralmente destacada por Platão, i. e., a imanência, numa ou noutra forma, dos eide (ver eidos); o passo está cheio de expressões como «a pequenez em nós». Há, além disso, a insistência em que os eide imanentes não estão eles próprios sujeitos à genesis. A genesis tem que ver com coisas e não é mais do que a substituição, num sujeito (Fédon Fedon:103e|103e), de uma forma pelo seu oposto (enantion).
11. O mesmo ponto de vista aparece com bastante mais pormenor quando Platão passa a falar do Receptáculo (hypodoche) no Timeu (Tim:49a|49a ss.), que é descrito como a «Ama do Devir». Platão começa por salientar que as quatro «raízes» de Empédocles não são elementos irredutíveis; uma vez que estão constantemente a mudar são realmente qualidades (ibid. Tim:49d|49d), se bem que, no plano noético, sejam os eide destes quatro corpos principais. Por isso ele rejeita todas as teorias pós-parmenidianas da mistura e da associação, baseadas que são na irredutibilidade dos stoicheia. A coisa permanente no processo é o Receptáculo, o quase-ser no qual a genesis se realiza (ibid. 49e). A análise platônica da genesis revela então as Formas transcendentes eternas, versões miméticas imanentes delas que passam dentro e fora do Receptáculo (ibid. Tim:50c|50c; Platão, loc. cit., promete descrever a difícil relação entre as qualidades imanentes e os eide transcendentes, promessa, ao que parece, não cumprida) e, finalmente, o próprio Receptáculo que, como o hypokeimenon aristotélico, não tem caraterísticas próprias (ibid. Tim:51a|51a-b).