Platão: noesis

8. Platão, aderindo firmemente à epistemologia parmenidiana (ver episteme 2), tem, além disso, uma nova concepção espiritualizada da alma que, embora originariamente postulada em bases religiosas (ver psyche 13), está incorporada na teoria platônica do conhecimento (ibid. 14). É esta alma pura e unitária do Fédon que se torna o correlato epistemológico dos eide e, sendo absolutamente diferente em espécie do corpo, pode desempenhar todas as atividades cognitivas que os filósofos pós-parmenidianos associaram ao noûs mas foram incapazes de explicar ao nível da substância. Mas o problema é no entanto consideravelmente mais complexo ainda. No próprio Fédon a alma é a arche de toda a atividade cognitiva: a sensação é a percepção pela alma através do corpo; a phronesis é uma operação da alma apenas (Fédon, 79d; ver aisthesis 15-16).

9. No Fédon a distinção entre as duas operações é amplamente conduzida em termos dos objetos conhecidos; na República reaparece, de uma forma muito mais complexa, também baseada nas operações internas da alma. Esta é agora dividida em três partes (ver psyche 15) e a parte superior, o logistikon (ibid. 16), é responsável pela atividade noética. Mas a psicologia é aqui muito mais sofisticada, e no Diagrama da Linha na Republica VI a atividade noética é explicada com certo pormenor. A distinção previamente traçada (Republica IV, 476a-480a) entre a episteme e a doxa é aqui mantida. Mas descobrimos que há mais do que um tipo de episteme. A parte superior da linha que representava o conhecimento dos noeta (ibid. 509e) é ainda subdividida naquilo que Platão chama noesis e dianoia (ibid. 511d).

10. Estas duas operações do logistikon têm sido muito debatidas; uma escola de pensamento vê a dianoia como aquela atividade do espírito que tem como seu objeto os «matemáticos», enquanto os objetos da noesis são os eide (ver mathematika 2); a outra escola vê a dianoia como o raciocínio discursivo em geral e a noesis como a imediata intuição intelectual, de modo muito semelhante àquele como Aristóteles (ver Anal. post. II, 100b; epagoge 3) e Plotino (ver 18-19 infra) distinguiram entre logismos e noûs. O que é claro contudo é que o método da noesis é o que Platão conhece como dialektike (q. v.; ibid. 511b) e o modo de vida nele baseado é a philosophia (q. v., e comparar phronesis, theoria).

11. Há certos passos em Platão, de que Aristóteles se faz eco, que dão algo mais da visão puramente psicológica do funcionamento do processo intelectivo. Ambos procuram fazer derivar episteme da palavra grega que significa «estar parado em» ou «chegar a uma paragem» (episthamai) e assim explicam a intelecção como uma «chegada a uma paragem» no meio de uma série de impressões dos sentidos, a «fixação» de um conceito intuitivo (Crát. 437a; Fédon 96b; Anal. post. II, 100a; Physica VII, 247b). Mas esta abordagem psicológica é subjugada por uma avalanche de considerações «físicas». A noesis é uma atividade e assim deve ser localizada nas categorias gerais da mudança e da kinesis. Platão fala de revolução na Alma do Mundo (Timeu 37a) e na parte imortal da alma individual (ibid. 43a). Isto nada deve, evidentemente, à introspecção, mas baseia-se nas considerações das revoluções do corpo e do kosmos que revelam o movimento da sua própria alma (ibid. 34b) e fornecem um paradigma visível e moral para os movimentos da nossa própria alma (ibid. 47b e ver ouranos 2-3; para a sensação como movimento, ver ibid. 43c; e para o problema mais vasto do movimento na alma, psyche 19).

Para a operação do noûs cósmico em Platão, ver noûs 5-6; kinoun 5.

PETERS, F. E. Termos filosóficos gregos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983.