Indaguemos, agora, acerca do grau de certeza que a sensação oferece, conforme Plotino. Primeiramente, nada mais do que a dóxa, a opinião, da qual ninguém deve fiar-se demais. À dóxa segue-se a pistis, a qual já representa um degrau superior mais seguro, no conhecimento, devido à intervenção da razão. O que é a pístis? ? uma consequência da opinião; mais claramente: é uma persuasão, que ainda não se equipara a certeza total. Por outra, a pistis, sinonimizando com persuasão, não representa a firmeza da evidência (enárgeia). A pistis não dispensa a demonstração (apódeixis), pois esta é alcançada com a ajuda da razão (paidagogoûntos lógou pístin perichoménou) (En. V, 9, 4,31-32 ). Assim, há um matiz nos diversos graus de conhecimento ministrados pelos sentidos: a dóxa e a pístis, cuja tradução para “convicção” seria demasiado forte e para “crença” demasiado fraca. Verter para “certeza” seria exagero, porque a pístis não chega à evidência.
Bem diverso é o conhecimento do Uno (= primeira hipóstase = pensamento de pensamento) e do Noûs (Inteligência = segunda hipóstase)1. A persuasão (pístis) não tem lugar na contemplação extática do Uno, porque “não há mais dualidade, mas (a alma) tornada outra que antes era (…), pertence a ele (Uno) e é uma com ele, tendo feito coincidir, pelo assim dizer, centro com centro” (En. VI, 9, 10, 15-18 ). A esse respeito, diremos mais, ao tratarmos do conhecimento místico. Da mesma forma, não há persuasão no Noûs (Inteligência). Sendo ele hèn pollá, “não necessita, nem de demonstração (apódeixis), nem de pístis (persuasão), porque ele é evidente (enargês) a si mesmo” (En. V, 5, 2, 14 ). O Noûs ou Inteligência é, portanto, uma contemplação pura e viva, “(…) não de um objeto contemplado como se (este objeto) estivesse em outro” (En. III, 8, 11-12 ). Por que isso? Por ele ter em si as verdadeiras realidades, que são as essências. Por conseguinte, não conhece por imagem, mas a coisa em si: “(…) ele mesmo é aquilo que conhece”2. Não há intermediário. Nem o engano, nem o erro podem ali insinuar-se. “O Noûs vê uma luz com outra luz, não por um meio estranho” (En. V, 3, 8, 22-23). O Noûs é a verdade. Ele conhece verdadeiramente, nada esquece e não precisa andar à procura da verdade. Por quê? Pelo fato de “ser ele próprio os seus inteligíveis, visto as ideias deles não terem sido adquiridas” (En. V, 4, 2, 46). Plotino argumenta com este pressuposto: “Deve existir, existe algo permanente e eterno. Não fora assim, onde procurar o que é digno de estima? Não existiria” (ei mê tautòn, ouk alêtheia éstai) (En. V, 3,4, 24). Mas, a verdade no Noûs tem sua origem, em última instância, no Uno. Por isso, o Noûs não é o objetivo final da aspiração humana. (Excertos de “Plotino, um estudo das Enéadas”, de R. A. Ullmann)
O termo hypóstasis recebeu traduções várias: realidade subsistente; substância; princípio; pessoa; realidades em geral; realidade transcendente. ↩
En. V, 9, 5, 6; cf. etiam En. V, 9, 8, 15-20. ↩