Introdução (§1) A Questão do “Sujeito”.
Enunciado do Plano do Tratado.
Qual é o sujeito das paixões?
Três hipóteses.
Os prazeres (hedone) e as aflições (lype), os temores (phobos) e as audácias (tharre), os desejos (epithyme) e as aversões (apostrophe), e o sofrimento (algein tinos), a quem se deve atribuí-los?1 Pode ser à alma (psyche), ou à alma usando do corpo (soma), ou a uma terceira coisa composta da alma e do corpo.2 Ora esta por sua vez pode se entender de duas maneiras: ou bem como a mistura da alma e do corpo, ou bem como uma outra coisa, distinta, disto resultando.3
Mesma questão para a opinião (doxa) e a reflexão (dianoia)…
A mesma questão se coloca para o que resulta destas paixões4, quer se trate de atos ou de opiniões. Nossa investigação deve portanto conduzir-se também sobre a reflexão5 e sobre a opinião: pertencem elas ao mesmo sujeito que as paixões ou assim acontece para algumas, diferentemente para outras?
… os atos intelectuais (noéseis)… Devemos também considera os atos intelectuais, ver como eles advêm e a quem eles pertencem6
… a investigação filosófica (philosophia)… e enfim, certamente, este mesmo que investiga, que examina e lança estas questões: que pode ele ser de fato?7
… a sensação (aisthesis) E a princípio, o ato de sentir, a quem pertence ele? É por aí que convém começar posto que as paixões, ou bem são uma espécie de sensação, ou bem não podem ser sem as sensações.8
Mesma enumeração das paixões primitivas e dos males da alma por exemplo no Tratado-6 e no Tratado-26. Esta lista pode ser inspirada de Platão, República IV 429d-430b; Fédão 66c e 83b; Timeu 42a-b e 69d; Filebo, 47e; Leis X, 897a. Ver também Aristóteles De Anima, I, 1, 403a 7 e a17, 4, 408b 2; Retórica II, 1, 1378a19. A classificação das paixões em quatro espécies principais (lype, phobos, peithymia, hedone) era um lugar comum nos estoicos. Se notará a utilização do plural e dos pares opostos, que sugere que as paixões são indissociáveis da multiplicidade e da instabilidade. É o sofrimento (designado por um infinitivo substantivado, to algein) que vem fechar a enumeração, como se nele se resumissem todas as outras paixões. ↩
As três possibilidades enumeradas aqui ecoam o Primeiro Alcibíades de Platão: o homem pode ser a alma, o corpo, ou o todo formado de uma e do outro (130a). Ver também a questão inicial do De Anima de Aristóteles (I, 1, 402a9-10), que visa distinguir os atributos próprios à alma daqueles que pertencem ao animal inteiro. — Este é o plano do tratado que Plotino anuncia aqui, uma vez que a primeira hipótese (a alma só) será desenvolvida no § 2, a segunda (a alma usando o corpo) no § 3, o primeiro ramo da terceira (a mistura da alma e do corpo) a partir do § 3, 17 e nos §§ 4 e 5, e finalmente o seu segundo ramo (outra coisa, distinta, resultante da mistura) nos §§ 6 e 7, 1-6. ↩
Cf. Platão, Timeu, 35a. A mistura (aqui migma) pode não ser senão a adição das partes constitutivas ou dar nascimento a uma nova substância: cf. Platão, Teeteto, 203 c ; Aristóteles, Metafísica, H, 2, 1043 a 13, bem como a distinção estoica entre justaposição (παράθεσις), em que cada elemento conserva a sua substância e qualidade, fusão (σύγχυσις), em que os elementos são destruídos para dar origem a uma nova substância, e combinação ou liga (κράσις), em que as substâncias são misturadas sem perder a sua própria natureza (SVF II 473 ; cf. também Alexandre de Afrodísias, De mixtione, 216, 14-218, 10); cf. 3. 19 e o meu comentário. ↩
pragmata é aqui sinônimo de pathe. Aristóteles, no De anima, emprega estes dois termos indiferentemente, por oposição a ergon e a energeia para designar todo estado passivo (cf. I,1,403a10). ↩
É o termo dianoia que traduzo por “reflexão”, de maneira a marcar a ligação que estabelece Plotino entre o raciocínio discursivo e a consciência (cf. Tratado-49). O plano do tratado continua a se enunciar: ver §7 e §9. ↩
Traduzo noeseis por atos intelectuais, de maneira a fazer entender a raiz “noûs” (intelecto) e a sublinhar o caráter eminentemente ativo, e atual, da alma à qual é atribuída o puro pensamento. Ver o parágrafo seguinte, assim como os §8 e 9. ↩
Notar a singularidade desta questão reflexiva. Encontra-se a mesma virada no Tratado 27,1,11 ; ver também Tratado 10,1,30. Resposta no §13… ↩
Cf. Aristóteles, De Anima, I,1,403a7; ver §2, 25-27 e §5. ↩