aisthesis (pré-socráticos)

6. A referência a Parmênides é, evidentemente, à segunda parte do seu poema «A Via da Aparência» (ver on, episteme). Sabemos que Parmênides tinha pouco respeito epistemológico pela aisthesis (cf. fr. 7), e não está de modo algum esclarecido que as teorias apresentadas na «Via da Aparência» sejam de fato suas. Mas o que ressalta do resumo de Teofrasto (De sens. 3-4) é que «Parmênides» sustentou que a sensação e o pensar (phronesis) eram idênticos (fosse o que fosse que ele possa ter acreditado o certo é que o genuíno Parmênides nunca defendeu tal coisa), e que o conhecimento brota da presença de apostos idênticos (enantia) no sujeito e no objecto do conhecimento, de tal modo que, por exemplo, até mesmo um cadáver, que esteja frio, pode percepcionar o frio.

7. Seja de quem for, de fato, esta teoria, ela teve um efeito acentuado em Empédocles, que tinha uma teoria razoavelmente elaborada da sensação e que, ao contrário de Parmênides, levou a sério os sentidos (frg. 3, linhas 9-13). Para Empédocles as coisas materiais são formadas por misturas dos quatro elementos básicos (stoicheia) «que se atraem uns aos outros» (frg. 21, linhas 13-14). Cada objecto liberta uma corrente constante de emanações (aporrhoai, frg. 89) que entram nas passagens (poroi) que lhe correspondem nos sentidos apropriados e resulta a sensação (Teofrasto, De sens. 7; Aristóteles, De gen. et corr. II, 324b). Mas não é apenas uma questão de simetria entre a emanação e o poro; o que se requer também é que o semelhante entre em contato com o semelhante ao nível da substância: vemos terra com terra, fogo com fogo (Aristóteles, Metafísica 1000b).

8. Quando se trata do problema do pensamento (phronesis), Empédocles parece orientar-se no sentido de uma distinção entre ele e a sensação, mas ainda ao nível quantitativo. Para ele, como para os atomistas, é um tipo especial de sensação que ocorre no sangue (por isso o coração como sede do pensamento) visto que o sangue parece ser para Empédocles a mistura mais perfeita dos stoicheia (fr. 105, Teofrasto, De sens. 9).

9. Os atomistas, que tinham reduzido todas as coisas a átomos (atoma) e vazio (kenon), reduziram apropriadamente toda a sensação ao contato (Aristóteles, De sens. 442a), e explicaram o seu processo em termos nitidamente derivados de Empédocles. Também aqui os corpos libertam emanações, agora chamadas eidola (cf. Alexandre de Afrodisia, De sens. 56, 12), que se assemelham na forma à coisa de onde são emitidas. Estas entram no sensível, ou melhor, penetram entre os atoma do sensível, e resulta a sensação (Aécio IV, 8, 10).

10. Esta deve ter sido a teoria de Leucipo; mas no que se refere ao problema perturbador da visão, Demócrito parece ter acrescentado certos aperfeiçoamentos, de novo sugeridos por Empédocles. A imagem visual (emphasis) não ocorre no olho do contemplador, mas é devida ao contato no ar entre o objeto e o contemplador. Uma vez formada, a emphasis regressa ao longo do ar e, sendo úmida, é admitida pelo olho úmido do contemplador (Teofrasto, De sens. 50; confrontar Empédocles em Aristóteles, De sens. 437b-438a). Esta explicação é interessante não apenas na medida em que chama a atenção para o ar como meio de percepção, mas também ao indicar, pela referência à umidade da emphasis e do olho, que Demócrito baseou de igual modo a possibilidade da sensação, enquanto distinta da simples mecânica, no princípio de «semelhante conhece semelhante».

11. Teofrasto (ibid. 49) observa que os atomistas explicam a sensação em termos de mudança (alloiosis). Dificilmente esta pode ser mudança qualitativa tal como é compreendida no sentido aristotélico visto que os atomistas são conhecidos por terem reduzido todos os pathe de uma coisa à quantidade (ver pathos); deve referir-se antes ao movimento dos atoma em colisão que perturbaram a posição dos átomos na pessoa que percebe (confrontar Lucrécio III, 246-257). Todas as sensações se podem explicar em termos de várias formas e movimentos dos atoma em contato com a pessoa que percebe (Teofrasto, De sens. 66); aquilo que experenciamos como doçura e calor e cor não são mais do que impressões subjectivas (frg. 9; cf. nomos, pathos).

12. Empédocles e os atomistas estão pois bem dentro daquilo que Teofrasto chama a tradição do «semelhante conhece semelhante».

A esta também pertence Diógenes de Apolônia para quem a arche de todas as coisas era o aer, o qual serve também como o princípio de toda a cognição (Teofrasto, De sens. 39). O conhecimento acontece quando o ar exterior ao organismo é misturado com o ar que está no interior, sendo determinado, tanto pela pureza do ar que entra como pela difusão da mistura resultante, o tipo de cognição. Assim a phronesis resulta quando o ar inalado é mais puro e a mistura de sangue e ar se espalha por todo o corpo (ibid. 44; cf. as observações satíricas em Aristófanes, Nuvens 227-233).

13. À frente da tradição dos que se lhe opõem encontra-se Alcméon de Crotona, um discípulo primitivo do pitagorismo cujas opiniões conhecemos apenas por um sumário que não é acompanhado por grandes demonstrações ou pormenores (Teofrasto, De sens. 25-26). Ele defendeu que o semelhante é conhecido pelo dissemelhante, que o cérebro é a sede da psyque (ver kardia), e, o que é mais importante, que há uma diferença entre aisthesis e phronesis. É esta diferença que distingue o homem de todos os outros animais que assim funda uma ética intelectualista, do mesmo modo que está na raiz da procura do mais elevado, a faculdade imaterial da alma, o logistikon de Platão e a dianoetike de Aristóteles (ver psyche), e que é a progenitora do exaltado papel do nous na história subsequente da filosofia grega. Mas nós só sabemos que Alcméon fez esta distinção; não sabemos com que bases, embora ela esteja quase de certeza ligada à bem conhecida crença pitagórica na alma imortal, (ver psyche, athanatos, palingenesia).

14. «O semelhante conhece o dissemelhante» aparece de novo em Anaxágoras e aqui baseia-se na prova empírica de que as sensações, especialmente as sensações táteis, repousam no contraste, nós sentimos o frio graças ao nosso calor (Teofrasto, De sens. 27), numa teoria que está em perfeito acordo com a doutrina de Anaxágoras de «uma porção de tudo em tudo» (ver stoicheion). Além disso, toda a sensação, visto que é uma mudança, é acompanhada de dor (ponos; confrontar hedone).