ousia (Gobry)


ousía (he): substância, ser, essência. Latim: substantia.

ousía é um substantivo derivado de ousa, particípio feminino do verbo einai: ser. O neutro é ón: ente, ser. A ousía significa, portanto, aquilo que é, o que existe realmente fora de nosso pensamento.

Esse termo é empregado pelos autores não filósofos no sentido de ter: bens, haveres, riqueza; isso pode parecer paradoxal, mas não o é: para o homem comum, aquilo que tem realidade e consistência é aquilo que se possui de útil e rentável. Os filósofos empregam especificamente ousía em dois sentidos: realidade, ou seja, ser enquanto existente; e essência, ou seja, a natureza desse ser.

Encontra-se esse termo em Heráclito, quando ele declara que a substância das coisas está submetida à mudança: metabolé (fr.91).

É com Platão que essa palavra se instala na filosofia; ele lhe confere sentidos diversos, especialmente o Ser; em Teeteto (185c): ousía e mè einai = ser e não-ser, mas sempre no espírito do sentido primeiro, sobretudo:

– Essência eterna (de outro modo eidos), a Realidade metafísica transcendente ao mundo sensível. Aqui, substância e essência designam o mesmo Ser. “E preciso pôr, para cada Realidade (absoluta: ousía), a existência por si mesma (kath’hautén)” (Parmênides, 133c). “A realidade realmente existente (ousía óntos’ ousa) é sem cor, sem forma, sem tato, e só pode ser contemplada pela Inteligência (noûs), guia da alma” (Fedro, 247c). “Quando falo de Grandeza, Saúde e Força […] trata-se da Realidade (ousía)” (Fédon, 65d). Esse termo designa claramente aqui, ao mesmo tempo, substância e Essência eterna. O mesmo significado existe quando Platão atribui à razão superior (nóesis) a tarefa de elevar-se até a ousía (Rep., VII, 523a).

– Essência das coisas, sua natureza. Os homens costumam ignorar a essência (ousía) de cada coisa (Fedro, 237c). As realidades cognoscíveis recebem o ser e a essência (einai kai ousía) do Bem (agathon) (Rep.,VI, 509b). No livro II da República (359a), Platão tenta definir “a natureza da justiça” (ousía dikaiosynes).

Foi Aristóteles que tratou sistematicamente de sua noção de ousía como substância, de acordo com três planos: lógico, físico e metafísico.

– Lógico. Primeiramente, por abordagem negativa: “A substância, no sentido mais fundamental, é aquilo que não é afirmado de um sujeito, nem em um sujeito” (Cat., V, 2a). Isso quer dizer: ela não é um predicado (em “a neve é branca”, branca não pode ser substantivo) e não pode pertencer a uma realidade como caráter próprio, não pode ter existência como modo de um outro ser. Depois, abordagem positiva: ousía é o sujeito lógico, aquilo de que o resto é afirmado (Cat., V, 4b). Donde uma primeira conclusão: a substância é a primeira categoria do ser (Met., Z, 1).

– Físico. Como é sujeito, a ousía é concreta; e o primeiro sujeito concreto apresentado pela experiência é o sujeito sensível, que pertence à natureza e é objeto de ciência física. A própria matéria deve ser considerada como substância universal (Met., H, 1, 8; A, 2; Degen., I, 4). E na substância física que ocorre a mudança (Fís., I, 4); é por ela que se explicam a geração e a corrupção (ibid., I, 7). Daí a teoria hilemórfica: toda substância física é composta de matéria (hyle) e forma (morphé).

– Metafísico. A metafísica, ou filosofia primeira (Aristóteles ignora o termo metafísica), é a ciência da substância (Met., T, 2; B, 2; Z, 1; A, 8). A substância — diz Aristóteles — pode ser considerada de quatro pontos de vista: a quididade (tò tí ên eínai), ou seja, aquilo que a coisa é “por si”, em outras palavras, por nenhuma das qualidades que lhe dizem respeito, mas por sua realidade própria: uma existência independente; o universal (kathólou) e o gênero (génos), pois essa essência é semelhante em todos os seres que admitem a mesma definição; enfim o substrato, ou sujeito (hypokeímenon) (ibid., Z, 4). Essa noção soma-se à de quididade; isso porque, se a substância é independente de suas qualidades e, permanecendo sempre o que é, não muda, ela é a sede, o sujeito das qualidades (os acidentes: symbebekóta) e da mudança. A substância individual, única que possui a quididade, é a verdadeira ousía; pode-se, porém, atribuir às essências universais e aos gêneros a denominação de substâncias segundas (Cat.,V).

Os estoicos consideram que há uma substância universal (he ousía tôn hólon, Marco Aurélio,VI, 1), mas não procuram definir essa noção. Não há substâncias individuais, pois todo ser é um fragmento do Todo único.

Plotino emprega ousía nos mesmos sentidos que Platão:

Ser, Realidade. “É no Mundo inteligível que se situa a Realidade verdadeira: he alethès ousía” (IV, I, 1). “A sabedoria verdadeira é o Ser: ousía” (V, VIII, 5). “Aquilo que chamamos Realidade (ousía) no sentido primeiro não é a sombra do Ser, mas o próprio Ser” (V, VI, 6).

– Essência das coisas. A alma “recebe tudo o que tem de sua essência” (VI, II, 6). “Cada um, pelo corpo, está afastado de sua essência; mas, pela alma, participa dela” (VI, VIII, 11). “Em nossos estudos sobre a essência da alma […]” (V, II, 1).

– No entanto, lembra-se de Aristóteles quando fala da substância como composto de forma (eidos) e matéria (hyle) (VI, 1,3; III, 3).

1. Ontos é um advérbio derivado de ón, o ser: realmente, verdadeiramente. Essa expressão concentrada emprega três vezes um termo que se refere ao ser. [Gobry]