CAEIRO, António de Castro. A arete como possibilidade extrema do humano. Fenomenologia da práxis em Platão e Aristóteles. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2002, p. 284-285
O primeiro sentido para que aponta o termo «movimento» (kinesis) parece ser quase de uma forma automática o de «deslocação espacial», isto é, o da «movimentação do lugar». Embora seja essa a compreensão que tende a impor-se e a vigorar, não é ela, de modo nenhum, que é a principial. A movimentação (kinesis) diz também respeito à possibilidade que inere em cada ente natural de se «alterar» (Aristóteles, Física, 192b13-15), sentido que está presente, por exemplo, nos processos «crescer e diminuir»Pelo qual, por exemplo, alguém passa quando cresce e engorda ou, inversamente, quando emagrece e se toma menos volumoso.. A alteração1 não implica uma deslocação espacial ou uma movimentação do lugar. Este acontecimento processual é o que está na base de compreensão do termo «movimentação» (kinesis) e radica num transcurso temporal. É só porque a deslocação espacial requer tempo que também se trata de uma forma de movimento, sendo as outras formas de movimentação as que dizem intimamente respeito ao efeito surtido pela ação do tempo.
O sentido da movimentação (kinesis) está, assim, conectado primariamente com a capacidade que está dada desde sempre às coisas, permitindo-lhes vir à existência e nela subsistirem. A tematização da movimentação (kinesis) corresponde à tematização da estrutura e da forma como as coisas se mantêm em vida, na medida em que se experimenta como alteração. Elas nascem, vêm à existência, crescem e diminuem, desenvolvem-se, envelhecem e morrem. Quer dizer, os entes naturais estão sujeitos intrinsecamente à ação provocada neles pela alteração. Mas a forma mais problemática de movimentação a que estão sujeitos é a que os faz vir à existência. A movimentação que traz um ente natural à existência é o que caracteriza essencialmente o seu ser natural. «A natureza é num dos seus modos de ser o passar-a-ser (genesis) daquelas coisas que crescem e se incrementam» (Aristóteles, Metafísica, 1014b16), é «o que subsiste intrinsecamente em cada coisa e de onde o ente em vias de crescimento começa a crescer» (ibid., 1014b17). A natureza (physis) provoca, pela sua presença «o primeiro movimento que inere em cada uma das coisas que é por natureza», um movimento que lhes subsiste intrinsecamente como uma das suas propriedades inalienáveis (ibid., 1014b19). Quer dizer, pela sua presença constitutiva, as coisas nascem e crescem (phyesthai) de facto (ibid., 1014b20 e 1014b23: a physis faz «uma unidade orgânica segundo a continuidade e a quantidade»).
Como o que corresponde ao envelhecimento. ↩