O poema de Parmênides nos oferece — ao lado dos fragmentos de Heráclito — a doutrina mais profunda de todo o pensamento pré-socrático. Mas é também a de mais difícil interpretação. O poema divide-se em três partes: o prólogo, o caminho da verdade e o caminho da opinião.
No prólogo (frag. 1), o filósofo é conduzido à presença da deusa, que lhe promete a revelação da verdade. A deusa, portanto, é quem fala. No fim do prólogo, o poema distingue "o coração inabalável da verdade bem redonda", das "opiniões dos mortais", o que permite distinguir as duas partes subsequentes da doutrina.
A doutrina do caminho da verdade estende-se do frag. 2 até quase o fim do frag. 8. Já no frag. 2, o filósofo distingue dois caminhos de investigação, o do ser e o do não-ser, sendo que o primeiro é o caminho da certeza, pois conduz à verdade, e o segundo permanece imperscrutável para o homem. Trata-se, pois, de pensar o ser. E o núcleo da doutrina parmenídica está na sua afirmação de que pensar e ser é o mesmo (frag. 3). No frag. 8, Parmênides define o ser e encontra nele a medida do pensar.
A terceira parte do poema começa no penúltimo parágrafo do frag. 8 ("Com isto ponho fim ao discurso digno de fé que te dirijo"...), e ocupa-se do caminho da opinião. Aqui, Parmênides desenvolve a sua cosmologia. Desde a antiguidade discute-se o modo como estas duas partes do poema possam ser conciliadas. (Excertos de Gerd Bornheim, "Os Filósofos Pré-Socráticos")
HOMEM aqui está pelo humano. O humano do homem é o mistério de um cruzamento, do cruzamento de todos os caminhos. Em tudo que é e não é, em tudo que parece ser e não ser, em tudo que faz e/ou deixa de fazer, o homem cumpre sempre em silêncio, no silêncio da linguagem, um encontro e desencontro consigo e com os outros. E a travessia da existência, em que se reúnem num só e mesmo percurso todos os caminhos. O caminho de ser, o caminho de não ser, o caminho de parecer pertencem, constitutivamente, a todo percurso humano dos homens, em qualquer caminho. É o que, aqui e agora, vamos tentar deixar aparecer, refletindo não sobre, mas a partir de alguns versos do Poema, Περι φύσεως [Peri physeos], de Parmênides, seguindo a 5a. edição dos Fragmentos dos Pré-socráticos, de Diels-Kranz, Zurique, 1996.
Não nos move nenhuma preocupação com questões de crítica textual . Estamos que já não é possível, nem importa, saber hoje, o que, realmente, pensou Parmênides, há mais de dois milênios e meio.
Parmênides de Eléia, na Magna Grécia, é o filósofo pré-socrático mais importante, o fundador da metafísica, em virtude de sua dupla descoberta: do ente (on) e da mente ou visão intelectual e imediata (noûs). Viveu desde fins do século VI até a primeira metade do V. Sua tradição imediata é a pitagórica e talvez a de Xenófanes, se bem que provavelmente indireta. Só se conservam fragmentos de seu grande poema em hexâmetros, que trazia o título tradicional Sobre a natureza (Peri physeos).
Parmênides determina todo o destino da filosofia do Ocidente, e muito especialmente da helênica. A antropologia posterior estará condicionada por seu pensamento, mas restam apenas fragmentos no que se refere diretamente ao homem; só há alusões vagas, que se podem interpretar unicamente a partir dos pressupostos gerais de sua filosofia. Para Parmênides, à parte de uma via impraticável, que é a que diz; que as coisas não são, há duas vias, às quais denomina via da verdade e via da opinião dos mortais: a primeira é a mente, o nus,, divino e comum a todos os homens, e conduz ao ente, uno, imóvel e eterno; a segunda é a da sensação, múltipla e passível de contrariedade, e conduz às coisas, muitas e mutantes, perecedeiras e corruptíveis como o corpo. O homem, pois, segundo participe do nus ou da sensação, reporta-se ao ente e é eterno como ele, ou às coisas, e é mortal como as mesmas. Em um ou outro caso, alcança a verdade do que as coisas são ou só a opinião, que afirma que as coisas são e não são, isto é, mostram uma aparência mutante que não corresponde à sua imobilidade real do ponto de vista do ser.
"É mister que aprendas todas as coisas, tanto o coração intrépido da Verdade bem redonda, quanto as opiniões dos mortais, nas quais não reside verdadeira certeza." (Fr. 1 de Diels.)
"A (via) de que é e que é impossível que não seja, é a via da Persuasão (pois a Verdade a acompanha); a de que não ê e não é necessário que seja, esta, afirmo-te, é uma via completamente impraticável; pois nem podes conhecer o que não é (pois é impossível), nem dizê-lo; pois é o mesmo a visão noética (noein) e o ser." (Fr. 4 e 5 de Diels!)
"Assim, segundo a opinião (dos mortais), as coisas chegaram a ser e são agora; e perecerão após se terem desenvolvido. A cada uma destas coisas, os homens puseram um nome determinado." (Fr. 19 de Diels.)
Com os pressupostos antes Indicados, é claro o sentido destes fragmentos densos e herméticos. O coração intrépido (atremés) da verdade é uma primeira alusão à imobilidade e permanência do ente; a redondeza é a do ente maciço como uma esfera, e este ente só aparece ante a visão do nus, e por isso pode dizer que são o mesmo, sem que isto signifique nenhuma absurda identificação idealista do ser e do pensar, que Parmênides não pôde conjeturar. Os nomes que os homens põem às coisas significam a convenção (nomus), que se defrontará com a natureza (physis) em toda a filosofia posterior, como o ser verdadeiro com a opinião aparencial.
O melhor estudo publicado acerca de Parmênides é o de Karl Reinhardt: Parmenides und die Geschichte der griechischen Philosophie (1916).