(…) Como Plotino já declarou (Enéada III, 5, 7, 9 e 8, 3), Poros é o logos, ou seja, o que flui do Espírito para a alma. Este tema do fluxo de logos e logoi será proeminente ao longo de todo o final do tratado, e estará intimamente ligado à imagem da embriaguez de Poros (9, 4; 9, 16; 9, 37), à do néctar (9, 5; 9, 16-19; 9, 35) e até à do jardim (9, 11-14; 9, 35-36). Todas estas imagens evocam um fluxo, que vai do Espírito à alma, o logos e o logoi comunicando assim à alma as Formas que estão no Espírito, mas de maneira desdobrada e descontraída. Em todos estes desenvolvimentos, o Espírito deve ser entendido como o Espírito particular do qual a alma do mundo está suspensa.

Poros é, portanto, o logos (9, 1), ou seja, o desdobramento das Formas inteligíveis. Como diz Plotino (9, 2), aludindo a todo o contexto do mito (embriaguez, néctar, jardim), ele flui, espalha-se (haplôtheis : era este o estado de Cronos embriagado em 38 (VI, 7), 35, 26); está, portanto, destinado a entrar na alma, a unir-se à alma (9, 2-3), pois, como vimos, a alma está ela própria, em relação ao Espírito, em estado de desdobramento e é, ela própria, um logos do Espírito (27 (IV, 3), 5, 9): “As almas estão suspensas de cada Espírito, seguindo-o imediatamente: são as expressões (logoi) desses Espíritos: mas mais desdobradas (exeiligmenai) do que estes. ” Aqui deparamo-nos com o complexo problema da noção de logos de Plotino. Como podemos conciliar o que Plotino afirma aqui: o logos vem do Espírito na alma (9, 6-7) e o que Plotino afirma noutro lugar (10 (V, 1), 3, 8): a própria alma é o logos do Espírito; ou (43 (VI, 2), 5, 12): a alma é um logos, a soma dos logoi, os logoi são o ato da alma quando ela age de acordo com a sua essência, e a sua essência é a potência de agir dos logoi; ou ainda (47 (III, 2), 18, 28): os logoi são todos almas, ou porque é que alguns são almas e outros são apenas logoi que, no entanto, pertencem a uma alma? Podemos dar respostas, pelo menos sumárias e provisórias, a estas questões, propondo duas soluções possíveis. Em primeiro lugar, podemos dizer que os logoi são, de certo modo, as energeiai exteriores que emanam dos espíritos (sobre a noção de energeia, cf. o meu comentário ao tratado 38, pp. 273-274) e que se concretizam nas almas, aparecendo estas, assim, como energeiai e logoi substanciais derivados dos espíritos (do mesmo modo que o Amor, em 2, 36; 3, 11; 4, 22, aparece como a energeia que emana da energeia da alma). Este é o esquema habitual de geração e processão de Plotino. Outra solução seria dizer que a noção de logos tem um significado diferente quando dizemos que a alma é o logos do Espírito e quando dizemos que a alma recebe o logos que emana do Espírito. No primeiro caso, logos significa “ato externo” que emana do ato “interno” (cf. 7 (V, 4), 2, 28 sobre os dois atos): a alma é o logos e o ato do Espírito (10 (V, 1), 6, 45 e 7, 42). No segundo caso, logos significa o desdobramento racional das Formas que se encontram em estado de concentração e unidade no Espírito e que vêm do Espírito para a alma, que “informam” a sua indeterminação (Pénia) para a tornar intelectual, capaz de pensar, e lhe permitem projetar as Formas sob a forma de vidas no mundo sensível, cf. 33 (II, 9), 1, 31: “O logos que vem do Espírito para a alma torna a alma intelectiva e pensante”. Esta última interpretação é provavelmente a mais provável.

Plotino (9, 3-5) contrasta assim o modo de ser do Espírito com o modo de ser do logos (identificado com Poros), que é também o modo de ser da alma. As Formas que estão no Espírito estão envolvidas (9, 3) em si mesmas, isto é, num estado de perfeita relação consigo mesmas, de conversão para si mesmas, e o próprio Espírito não deixa que nada de estranho entre nele (9, 3-4, cf. 9, 18). Como Cronos, satisfaz-se com o que lhe é próprio, com os seus filhos: as Formas (cf. tratado 38 (VI, 7), 15, 19 e 35, 30; cf. o meu comentário p. 40, 263, 344). Pelo contrário, o logos (Poros), que está relacionado com a alma, recebe (e a alma com ele) a sua plenitude do exterior, pois, segundo o mito, está embriagado (9, 4) e o logos flui do Espírito para a alma. Na frase seguinte (9, 5), se seguirmos o texto dos manuscritos (ver Nota Crítica 285), parece que o logos já não é Poros, mas o néctar que o preenche e flui do Espírito para a alma. Esta aparente incoerência não nos deve surpreender, pois, de fato, na exegese plotiniana, Poros e néctar correspondem a uma realidade do mesmo gênero, ou seja, ao logos ou logoi que vêm dar forma e determinação à indeterminação (Penia, cf. 7, 6-9) da alma e que são a irradiação externa, logo o esplendor, do Espírito, como veremos.