Platão – Obras

Segundo o filósofo Jean Brun…

O filósofo que deseja estudar o pensamento dos pré-socráticos, o dos estoicos ou o dos epicuristas depara com o problema da ausência quase total de textos e limita-se a estudar as citações ou os fragmentos transcritos pelos autores posteriores. Com Platão, Aristóteles e Plotino, estamos frente a um problema de certo modo inverso, não temos poucos textos, mas sim, e por vezes, textos de mais: quando se estuda Platão ou Aristóteles deve fazer-se a separação, entre as obras que tradições por vezes em desacordo atribuem a esses filósofos, entre as obras suspeitas e as obras apócrifas. Dispomos, para a autenticação da obra de Platão, de critérios externos: uma obra é autenticada se Aristóteles ou Cícero a atribuírem a Platão ou se se encontrar uma citação da obra no interior de outra — e de critérios internos: uma obra é atribuída a Platão se for «conforme» a sua filosofia, mas são visíveis os perigos deste procedimento que consiste em definir primeiro Platão para depois poder ajuizar das suas obras; outros críticos utilizaram o processo estilométrico, que consiste em medir a frequência de certas palavras gregas usuais de modo a definir um «estilo» de Platão que permita autenticar uma obra segundo o modo como foi escrita, mas deve dizer-se também que o estilo não é um dado imutável num homem que viveu perto de 80 anos.

O segundo problema é o da cronologia das obras; é certo que o pensamento de Platão evolui e que não é o mesmo nos diálogos de juventude e nos da maturidade; mas os críticos de Platão nunca conseguiram entender-se sobre uma cronologia rigorosa.

Resta outro problema: Aristóteles fala-nos1 das «obras não escritas» de Platão; alguns quiseram separar um ensino exotérico, que estaria nas obras chegadas até nós, e um ensino esotérico que teria sido exclusivo dos estudantes da Academia, mas é muito difícil saber algo2) sobre esse ensino esotérico, a não ser que se relacionava com as «ideias-números».

Temos duas classificações antigas das obras de Platão: uma classificação trilógica de Aristófanes de Bizâncio e uma classificação tetralógica de Trasilo. Eis a classificação que foi adotada hoje em dia na coleção de G. Budé que editou as obras completas de Platão (texto com aparato crítico, tradução e introduções desenvolvidas) e à qual iremos buscar todas as citações que se seguirão3; esta classificação segue uma ordem cronológica provável:

Hípias menor, sobre a Mentira, gênero anatréptico;

Alcibíades, sobre a natureza do homem, gênero maiêutico (atribuição contestada);

Apologia de Sócrates;

Eutifron, da Piedade, gênero probatório;

Críton, do Dever, gênero ético;

Hípias maior, sobre o Belo, gênero anatréptico;

Laques, sobre a Coragem, gênero maiêutico;

Lísis, sobre a Amizade, gênero maiêutico;

Cármides, sobre a Sabedoria, gênero probatório;

Protágoras, sobre os Sofistas, gênero demonstrativo;

Górgias, sobre a Retórica, gênero refutativo;

Ménon, sobre a Virtude, gênero probatório;

Fédon, da Alma, gênero moral;

O Banquete, do Amor, gênero moral;

Fedro, da Beleza, gênero moral;

Ion, sobre a Ilíada, gênero probatório;

Menéxeno, da Oração fúnebre, gênero moral;

Eutidemo, ou da Erística, gênero anatréptico;

Crátilo, sobre a Justeza dos nomes;

A República, da Justiça, diálogo político;

Parmênides, autocrítica das Ideias;

Teeteto, sobre a Ciência, gênero peirástico;

O Sofista, do Ser, gênero lógico;

O Político, da Realeza ou da Governança;

O Filebo, do Prazer, gênero ético;

Timeu, ou da Natureza;

Crítias ou da Atlântida;

As Leis ou da Legislação;

Epinómis ou do Filósofo (atribuição contestada);

Cartas (a sua autenticidade é muito contestada, no entanto é provável que a Carta VII, que nos dá muitos detalhes sobre a vida de Platão, seja autêntica);

Diálogos suspeitos: Segundo Alcibíades, Hiparco, Minos, Os Rivais, Téages, Clitofon.

Diálogos apócrifos: Do Justo, Da Virtude; Demódoco, Sísifo, Eríxias, Axíoco, Definições.

Todas estas obras chegaram até nós através de manuscritos, dos quais os mais antigos remontam à Idade Média bizantina. Os dois mais importantes são um manuscrito do século IX que se encontra na Biblioteca Nacional de Paris; a primeira parte perdeu-se mas existe uma boa cópia do século XI que se encontra na Biblioteca de São Marcos em Veneza; o segundo manuscrito data de 895 e encontra-se em Oxford; pode acrescentar-se que escavações empreendidas no Egito permitiram encontrar papiros incompletos ou mutilados dos três primeiros séculos da era cristã (um deles, para o Fédon, remonta ao século III a. C).

Deve acrescentar-se que, desde a Antiguidade até a Renascimento, as obras de Platão foram comentadas ou utilizadas por autores mais ou menos prudentes; temos assim comentários de Proclus (sobre o Crátilo, A República, o Parmênides e o Timeu), de Hérmias, de Olimpiodoro, a tradução latina incompleta de um comentário de Calcídio sobre o Timeu. Devemos citar também os textos de Plutarco, de Galiano, de Teão de Esmirna, de Máximo de Tiro, de Albino, que comentaram, citaram ou criticaram Platão.

(

BRUN, J. Platão. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1985.
)


VIDE: Parecer do filósofo Bernard Suzanne


  1. Cf. Aristóteles, Física, IV, 209b 

  2. Acerca deste problema, cf. David Ross, Plato’s theory of Ideas (Oxford, 1951 

  3. As obras completas de Platão foram traduzidas também por Chambry e Baccou (col. G. F.) e por L. Robin e J. Moreau (2 vol., col. La Pleiade). A coleção Loeb possui uma edição do texto grego com a tradução inglesa. 

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