29. A tradição platônica tardia, com a sua teoria altamente desenvolvida da sympatheia, espalhou a sugestão platônica da similaridade da psyche aos eide (ver 18 supra e confrontar metaxu 2) para lhe dar uma posição média fortemente enfática entre os noeta e os aistheta (ver Simplício, In De anima I, 2, p. 30, citando Xenócrates; Plutarco, De procr. an. 1023b, citando Posidônio; sobre os esforços para preencher as lacunas na scala naturae, ver sympatheia 3) Plotino afirma isto categoricamente (Enéadas IV, 8, 7), mas também se apercebe do paradoxo que existia no ponto de vista platônico: como reconciliar a alma imortal enviada do céu do Fédon e do Fedro, cuja estadia no corpo é comparada por Platão a um encarceramento, com a alma imanente e diretiva do Timeu, que tem uma função distintamente benigna vis-à-vis do organismo (Enéadas IV, 8, 1)? A primeira atitude levanta todo o problema da descida da alma até à matéria (ver kathodos); a segunda, a função vitalista da alma vista como natureza (physis).
30. A alma, considerada como uma entidade simples, é uma hypostasis, uma produção do noûs e sua imagem (eikon; Enéadas V, 1, 2), e ao voltar-se para o noûs fica ela própria fecundada e produz, na direção oposta, várias atividades que são reflexo de si própria e cujas expressões são a sensação (aisthesis) e o crescimento (V, 2, 1). A alma, assim, pela própria natureza das coisas, tem uma dupla orientação: está voltada para a sua origem, o inteligível, e está voltada para o mundo, que vitaliza (ver noesis 20).
31. Mas a alma é mais do que uma hypostasis unitária; o seu afastamento descendente do Uno (hen) fez com que ela se tornasse múltipla, e Plotino vê-se obrigado a explicar com certo pormenor a relação das várias almas que vitalizam os corpos com a hypostasis unitária de que fazem parte (IV, 3, 1-8). Não são, evidentemente, partes materiais de um todo material. Estão unificadas pelo fato de terem uma origem comum e uma operação natural; são divergentes porque operam dentro e sobre corpos diferentes (IV, 3, 4). Isto dá origem não só a uma pluralidade de almas mas também a graus de almas (IV, 3, 6), que vão desde a Alma do Mundo (psyche tou pantos), que ainda está próxima da fonte inteligível e cujas atividades estão consequentemente mais próximas da do noûs, até às almas das plantas, a última extensão do princípio da alma a partir do noûs. A distinção é útil: a natureza unitiva da alma permite a Plotino afirmar a estrutura sistemática das almas múltiplas em termos de sympatheia cósmica (ver Enéadas IV, 3, 8), e a distinção dos graus fornece uma base para uma continuada crença na reencarnação (palingenesia; Enéadas III, 4, 5).
32. A função da alma é, então, vitalizar e governar a matéria (ver Enéadas IV, 8, 3). Como isto se realiza é explicado numa série de metáforas: a alma ilumina a matéria com uma luz que, embora permanecendo no seu ponto de origem (sobre este assunto, ver proodos 3), emite os seus raios para uma escuridão que se aprofunda gradualmente. Ou vitaliza a matéria do mesmo modo que uma rede, inerte fora de água, se espalha e parece tomar vida quando lançada ao mar, sem ao mesmo tempo o afetar (IV, 3, 9). É deste modo que a alma do universo afeta o seu corpo, o kosmos sensível.
33. Quanto às almas individuais, a questão é aqui consideravelmente mais complexa devido à óbvia diversidade das funções. O ponto de vista aristotélico da alma como uma entelecheia do corpo parece sugerir uma conexão funcional demasiado íntima entre a alma e o corpo, e Plotino rejeita-a (Enéadas IV, 7, 8). Em contrapartida volta-se para o princípio microcósmico: cada alma humana tem, tal como a Alma do Mundo, uma «parte» que permanece virada para o inteligível e não é afetada pela descida ao corpo (IV, 3, 12). Mas o fato de ela ter ido até um corpo, desde os corpos celestes (ouranioi) até às plantas, leva à diminuição do poder natural da alma. Assim, a sua atividade normal, não discursiva e intelectual (ver noesis) degenera em formas inferiores de atividade: a theoria torna-se dianoia e, eventualmente, em praxis (IV, 3, 18; ver physis 5, noesis 20).
34. A alma individual, uma vez «no» corpo (a localização não é, evidentemente, espacial; a alma está «no» corpo no mesmo sentido em que a luz está «no» ar; IV, 3, 22; ver kardia), envia uma espécie de reflexos de si própria, o primeiro dos quais é a aisthesis, seguido pelas outras faculdades (I, 1,8). Estas permitem que o corpo material atue sem afetar de qualquer modo a alma (I, 1, 6-7; ver aisthesis 26-27).
35. Proclo começa o seu tratamento da alma aplicando-lhe a sua familiar doutrina do meio (ver trias). Há três tipos de almas: as divinas (incluindo as almas dos planetas; ver ouranioi e, para a sua influência, ochema 4), as capazes de passarem da intelecção à ignorância (ver noesis 21), e um grau intermediário que está sempre em ato mas inferior às almas divinas (Elem. theol., prop. 184). Este grau mediador, além de ser pedido pelo princípio triádico de Proclo, tinha uma história prévia na tradição. Estes são os daimones já definidos por Platão como intermediários (Banquete 202d), integrados pelo seu aluno Xenócrates nos vários graus de inteligência (logos; ver Plutarco, De defec. orac. 416c; e divididos por Proclo em angeloi, daimones, e heroes (In Timeu III, 165, 11).
36. A perspectiva platônica da alma como substância está ainda em evidência em Proclo onde é descrita (Elem. theol. prop. 188) simultaneamente como vida (zoe) e como coisa vivente (zoon). A sua posição intermédia é afirmada (prop. 190), e, por causa dela, participa tanto da eternidade (aion) em virtude da sua ousia, como do tempo em virtude da sua energeia (prop. 191; ver Plotino, Enéadas IV, 4, 15). A palingenesia é ainda sustentada (prop. 206), mas Proclo nega que a alma possa transmigrar para animais (In Remp. II, 312-313).
Sobre as faculdades da alma, ver aisthesis, noesis, noûs, orexis; a sua imortalidade, athanatos; descida ao mundo, kathodos; renascimento periódico, palingenesia; o seu corpo astral, ochema; para a inter-relação da alma com o corpo no estoicismo e no epicurismo, genesis; para tentativas de distinção da psyche do noûs, noesis; sobre a Alma do Mundo, psyche tou pantos. [Termos Filosóficos Gregos, F. E. Peters]